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Comida
Caçador de café
Representante de uma nova profissão, superespecialista percorre o mundo à procura de grãos perfeitos e já encontrou no interior de Minas um café com aroma de frutas vermelhas e de iogurte
GIULIANA BASTOS
ENVIADA ESPECIAL A PIRAJU (SP)
Viajar de um canto para o outro do mundo, provar mais de
uma centena de xícaras em um
dia, caminhar horas e horas por
lavouras (às vezes em terrenos
de mais de 1.400 m de altitude)
e até enfrentar pequenos tornados. Há quem a inveje, mas
não é nada fácil a vida de Ensei
Neto, 47, o caçador de cafés.
Parece coisa de filme hollywoodiano, no entanto, é bem
real esta rara e novíssima safra
de profissionais, superespecialistas no grão, que batem pernas pelos mais secretos rincões
do país e do planeta em busca
da xícara perfeita.
Além de Neto, que trabalha
com o produto há 20 anos e que
há cerca de oito anos descobriu
essa vocação, na Europa e principalmente nos Estados Unidos
começa a ser mais difundido o
trabalho dos "coffee hunters"
(expressão em inglês que significa caçadores de café).
Os pontos de partida são suas
cidades natais, onde os caçadores recebem dezenas de amostras de cafés especiais das mais
variadas origens, torram-nas e
as bebem uma a uma na degustação chamada de "quebra de
xícaras" -o café é preparado
como uma infusão de medidas
precisas, que, quanto mais fria,
melhor fica (se o grão for de
qualidade, claro).
Em vez de chapéu, bota, facão e chicote, as armas de Neto
para essa prova de fogo são uma
colher especial, um tostador de
café portátil, um moedor de
grãos, uma minibalança
hi-tech, um termômetro que
diz a temperatura à distância,
vasilhas para degustar o elixir e
uma máquina fotográfica, na
qual registra todo o processo,
da lavoura à bebida. Com rápidas e barulhentas colheradas, o
paulistano desvenda os aromas, sabores e potenciais do
produto.
Algumas vezes (não raras), o
paladar de Neto é testado ao limite, com a degustação de até
150 xícaras (não é indicado fazer isso em casa, pois consumido em excesso pode causar danos à saúde). E não basta colocar o café na boca e cuspir. Na
prova, após bochechos e muita
concentração, ele é capaz de
perceber detalhes como a forma de colheita do grão, o beneficiamento, a secagem e o armazenamento, além de aspectos quase impossíveis para a
boca de um leigo, como o tipo
de acidez (se é fosfórica, cítrica,
lática).
Se, durante a avaliação, alguma xícara destaca perfumes
exóticos ou sabores raros, então o caçador parte para a fazenda para descobrir de onde
vem esse café, como ele é feito,
avaliar as lavouras, ver se são
necessários ajustes em sua produção, se aquelas características são do "terroir" da região ou
apenas daquele lote e qual o
real valor que esse produto pode obter no mercado.
Raridades nacionais
Foi o que aconteceu há sete
meses em Coromandel (MG).
Ali, na fronteira entre Minas
Gerais e Goiás, há uma fazenda
em um platô a 1.100 m de altitude, onde, dependendo do caminho que se faz, chega-se de balsa, daquelas bem simples,
"movidas" à mão. Nesse local,
Neto encontrou uma bebida
com aroma de frutas vermelhas
e de iogurte, algo raríssimo,
presente apenas em cafés da região de Harrar, na Etiópia. O
produto está sendo divulgado e,
pela aposta do especialista, em
breve deve ter o mesmo destino
de sucesso de outro café da região, de rara complexidade, que
já é comercializado nos Estados Unidos.
"As notas florais muito adocicadas e o sabor complexo, que
lembra chá de jasmim, frutas
amarelas (leve maracujá) e final de caramelo intenso e agradável, chamaram muito a atenção do pessoal de lá", conta.
Desse ânimo em descobrir
raridades, saíram grãos também da Serra do Caparaó (MG),
da Barra do Choça (BA), de Piraju (SP), da hoje já consagrada
Serra da Mantiqueira (SP), entre outros, e ainda há muito a se
conhecer sobre os grãos brasileiros. E, como o próprio Neto
diz: "temos de caminhar na
contracultura, da maior parte
dos produtores, e mudar a imagem ruim que o mercado tinha
sobre o nosso café".
A distância da família, a decepção com alguns produtores
que não respeitam os cafés e a
natureza como deveriam e até
aventuras um tanto assustadoras (como a de encarar pequenos tornados e uma chuva de
granizo violenta em um cafezal
em Goiás) fazem com que Neto
às vezes queira voltar para sua
casa na tranqüila cidade de Patrocínio, em Minas Gerais.
Sua filha, Ana Luisa, de dez
anos, com saudades, sempre liga para o pai durante suas viagens, mas acha divertido e parece ter herdado a paixão do pai
pelos sabores e aromas.
"Ela não gosta tanto de café
puro, prefere com leite", explica o pai. Ana Luisa já coleciona
rolhas de vinhos e anotações
sobre os perfumes que sente
nelas. "Já que não posso beber
o vinho, vou cheirar", diz.
Isso até anima o pai a pegar o
carro (ou os aviões) e sair estradas afora em busca de mais descobertas. Sorte dos aficionados
pelo grãozinho que podem ou
poderão provar uma dessas
preciosidades em projetos
como o da rede de docerias
Ofner (que traz cafés especiais
indicados por Neto trocados
a cada estação) ou em marcas
que devem chegar ao mercado
em breve.
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