São Paulo, quinta-feira, 06 de dezembro de 2007

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Comida

Caçador de café

Representante de uma nova profissão, superespecialista percorre o mundo à procura de grãos perfeitos e já encontrou no interior de Minas um café com aroma de frutas vermelhas e de iogurte

GIULIANA BASTOS
ENVIADA ESPECIAL A PIRAJU (SP)

Viajar de um canto para o outro do mundo, provar mais de uma centena de xícaras em um dia, caminhar horas e horas por lavouras (às vezes em terrenos de mais de 1.400 m de altitude) e até enfrentar pequenos tornados. Há quem a inveje, mas não é nada fácil a vida de Ensei Neto, 47, o caçador de cafés.
Parece coisa de filme hollywoodiano, no entanto, é bem real esta rara e novíssima safra de profissionais, superespecialistas no grão, que batem pernas pelos mais secretos rincões do país e do planeta em busca da xícara perfeita.
Além de Neto, que trabalha com o produto há 20 anos e que há cerca de oito anos descobriu essa vocação, na Europa e principalmente nos Estados Unidos começa a ser mais difundido o trabalho dos "coffee hunters" (expressão em inglês que significa caçadores de café).
Os pontos de partida são suas cidades natais, onde os caçadores recebem dezenas de amostras de cafés especiais das mais variadas origens, torram-nas e as bebem uma a uma na degustação chamada de "quebra de xícaras" -o café é preparado como uma infusão de medidas precisas, que, quanto mais fria, melhor fica (se o grão for de qualidade, claro).
Em vez de chapéu, bota, facão e chicote, as armas de Neto para essa prova de fogo são uma colher especial, um tostador de café portátil, um moedor de grãos, uma minibalança hi-tech, um termômetro que diz a temperatura à distância, vasilhas para degustar o elixir e uma máquina fotográfica, na qual registra todo o processo, da lavoura à bebida. Com rápidas e barulhentas colheradas, o paulistano desvenda os aromas, sabores e potenciais do produto.
Algumas vezes (não raras), o paladar de Neto é testado ao limite, com a degustação de até 150 xícaras (não é indicado fazer isso em casa, pois consumido em excesso pode causar danos à saúde). E não basta colocar o café na boca e cuspir. Na prova, após bochechos e muita concentração, ele é capaz de perceber detalhes como a forma de colheita do grão, o beneficiamento, a secagem e o armazenamento, além de aspectos quase impossíveis para a boca de um leigo, como o tipo de acidez (se é fosfórica, cítrica, lática).
Se, durante a avaliação, alguma xícara destaca perfumes exóticos ou sabores raros, então o caçador parte para a fazenda para descobrir de onde vem esse café, como ele é feito, avaliar as lavouras, ver se são necessários ajustes em sua produção, se aquelas características são do "terroir" da região ou apenas daquele lote e qual o real valor que esse produto pode obter no mercado.

Raridades nacionais
Foi o que aconteceu há sete meses em Coromandel (MG). Ali, na fronteira entre Minas Gerais e Goiás, há uma fazenda em um platô a 1.100 m de altitude, onde, dependendo do caminho que se faz, chega-se de balsa, daquelas bem simples, "movidas" à mão. Nesse local, Neto encontrou uma bebida com aroma de frutas vermelhas e de iogurte, algo raríssimo, presente apenas em cafés da região de Harrar, na Etiópia. O produto está sendo divulgado e, pela aposta do especialista, em breve deve ter o mesmo destino de sucesso de outro café da região, de rara complexidade, que já é comercializado nos Estados Unidos.
"As notas florais muito adocicadas e o sabor complexo, que lembra chá de jasmim, frutas amarelas (leve maracujá) e final de caramelo intenso e agradável, chamaram muito a atenção do pessoal de lá", conta.
Desse ânimo em descobrir raridades, saíram grãos também da Serra do Caparaó (MG), da Barra do Choça (BA), de Piraju (SP), da hoje já consagrada Serra da Mantiqueira (SP), entre outros, e ainda há muito a se conhecer sobre os grãos brasileiros. E, como o próprio Neto diz: "temos de caminhar na contracultura, da maior parte dos produtores, e mudar a imagem ruim que o mercado tinha sobre o nosso café".
A distância da família, a decepção com alguns produtores que não respeitam os cafés e a natureza como deveriam e até aventuras um tanto assustadoras (como a de encarar pequenos tornados e uma chuva de granizo violenta em um cafezal em Goiás) fazem com que Neto às vezes queira voltar para sua casa na tranqüila cidade de Patrocínio, em Minas Gerais.
Sua filha, Ana Luisa, de dez anos, com saudades, sempre liga para o pai durante suas viagens, mas acha divertido e parece ter herdado a paixão do pai pelos sabores e aromas.
"Ela não gosta tanto de café puro, prefere com leite", explica o pai. Ana Luisa já coleciona rolhas de vinhos e anotações sobre os perfumes que sente nelas. "Já que não posso beber o vinho, vou cheirar", diz.
Isso até anima o pai a pegar o carro (ou os aviões) e sair estradas afora em busca de mais descobertas. Sorte dos aficionados pelo grãozinho que podem ou poderão provar uma dessas preciosidades em projetos como o da rede de docerias Ofner (que traz cafés especiais indicados por Neto trocados a cada estação) ou em marcas que devem chegar ao mercado em breve.


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