São Paulo, sábado, 06 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livros

"Foram meses de texto ruim e lentidão"

Roteirista de "Tróia" e outros, David Benioff lança livro e conta como foi voltar a escrever um romance após se dedicar ao cinema

"Você se prende ao formato", diz autor, sobre roteiros; novo livro, "Cidade de Ladrões", é ficção feita a partir de dados históricos


MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dia, o escritor americano David Benioff sentou-se para conversar com seu avô sobre como ele sobreviveu ao cerco de Leningrado pelos nazistas, durante a Segunda Guerra.
A história (tanto da conversa com o avô quanto do cerco de 900 dias) está em "Cidade de Ladrões", seu segundo livro, recém-lançado no Brasil. Mas, diferentemente do que o leitor é induzido a crer, não é uma memória real. "O livro deve ser considerado ficção", diz Benioff, à Folha por telefone, de sua casa em Los Angeles.
O que é real é o cenário de privação retratado, com os habitantes famintos ao nível do canibalismo. Benioff pesquisou longamente sobre o cerco para recriar com fidelidade o ambiente em que jogou seus protagonistas fictícios, enviados em uma missão surreal: achar ovos para o bolo de casamento da filha de um general.
Apesar de ser a primeira obra do autor a sair no Brasil, seu texto é familiar aos cinéfilos nacionais: seu primeiro livro, "The 25th Hour", originou o roteiro (dele mesmo) de "A Última Noite" (2002), filme de Spike Lee. A partir daí, Benioff virou um roteirista requisitado: adaptou o clássico "Ilíada" -que virou "Tróia" (2004), de Wolfgang Petersen- e o best-seller "O Caçador de Pipas" (2007, Marc Forster). Também assina um dos filmes de super-herói mais esperados de 2009, "Wolverine", e um roteiro para um longa sobre Kurt Cobain.
O Brasil tampouco é estranho ao autor: ele esteve no país três vezes, conhecendo lugares como Goiás, Bahia, Ceará e Rio.

 

FOLHA - Como foi voltar a fazer um romance após se dedicar a roteiros?
DAVID BENIOFF
- Você se prende a certos hábitos quando faz roteiros, é um formato rígido: verbos no presente, narrativa em terceira pessoa, texto enxuto, não é preciso descrever muito as coisas -porque se escrevo, por exemplo, "interior do restaurante, dia", um designer de produção e um decorador de set vão determinar isso na tela.
Em um livro, você não é capaz de visualizar o restaurante se não houver descrição. E, após sete anos escrevendo roteiros, os músculos de que você precisa para descrever cenas em um livro e entrar na mente dos personagens ficam atrofiados.

FOLHA - Como voltou à forma?
BENIOFF
- Foram meses de texto ruim e lentidão, gastava noites para escrever um parágrafo. Com o tempo, você vai readquirindo o ritmo.

FOLHA - Você pesquisou o cerco de Leningrado para escrever?
BENIOFF
- Fiz uma tonelada de pesquisas e viajei a São Petersburgo [nome atual de Leningrado], tentei fazer a parte histórica o mais acurada possível, há pouca coisa fictícia sobre o que ocorria na cidade durante o cerco. Os detalhes de canibalismo e os métodos para arranjar coisas para comer, como fazer sopa cozinhando a cola usada em livros, são detalhes factuais.

FOLHA - Como você decidiu o que colocaria no livro?
BENIOFF
- Escrevi centenas de páginas com anotações das minhas pesquisas, mas, ao começar o livro, não quis enchê-lo de detalhes só porque eram historicamente precisos. Só quis incluir o que era significativo para a história. Parte da inspiração veio de diários dos habitantes, descrições da sobrevivência dia a dia, algo factual e, muitas vezes, bem-humorado. O humor foi uma inspiração.

FOLHA - Você já escreveu roteiros adaptados de obras suas e de outros autores. Qual é mais difícil?
BENIOFF
- Ambos são difíceis. Em "O Caçador de Pipas", senti pressão por não querer desapontar Khaled [Hosseini, o autor]. Foi diferente de quando adaptei "Por Quem os Sinos Dobram", de Hemingway, que está morto e não poderia ficar desapontado, mas aí há pressão por ser um clássico. Quando você adapta um livro seu, a dificuldade é a falta de distanciamento. Se você não tem ligação com a obra, é mais fácil notar o que não funciona na tela.

FOLHA - Falando em roteiros, como foi escrever "Wolverine"?
BENIOFF
- Foi difícil. É um personagem que adoro, e não havia uma história definida, são diversas as histórias. Acho que fizemos o certo, contar sua origem com forte influência da HQ "Arma X". Mas não vi o filme. Meu roteiro sofreu modificações, ficou bem diferente do que eu havia escrito. Vão refilmar algumas cenas em janeiro.

FOLHA - Isso o aborreceu?
BENIOFF
- É difícil ver outros mudarem o que você fez, mas não é como se o personagem fosse meu. Por mais que goste dele, ele já existia. No caso de "Cidade de Ladrões", há diretores querendo adaptá-lo, mas não deixo, porque os personagens são próximos de mim. Só vai virar filme se eu o dirigir.

FOLHA - Você se considera pronto para dirigir?
BENIOFF
- Será um desafio, vou ficar nervoso. Mas todos os trabalhos excitantes me deixam nervoso. Por exemplo, estou fazendo um roteiro sobre Kurt Cobain. É a primeira vez que escrevo sobre uma pessoa real, que tem viúva e filha, e me sinto pressionado. Não quero magoar a menina, mas tenho de ser honesto com a história dele.


Texto Anterior: Trecho
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.