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Livros
"Foram meses de texto ruim e lentidão"
Roteirista de "Tróia" e outros, David Benioff lança livro e conta como foi voltar a escrever um romance após se dedicar ao cinema
"Você se prende ao formato", diz autor, sobre roteiros; novo livro, "Cidade de Ladrões", é ficção feita a partir de dados históricos
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dia, o escritor americano
David Benioff sentou-se para
conversar com seu avô sobre
como ele sobreviveu ao cerco
de Leningrado pelos nazistas,
durante a Segunda Guerra.
A história (tanto da conversa
com o avô quanto do cerco de
900 dias) está em "Cidade de
Ladrões", seu segundo livro, recém-lançado no Brasil. Mas, diferentemente do que o leitor é
induzido a crer, não é uma memória real. "O livro deve ser
considerado ficção", diz Benioff, à Folha por telefone, de
sua casa em Los Angeles.
O que é real é o cenário de
privação retratado, com os habitantes famintos ao nível do
canibalismo. Benioff pesquisou
longamente sobre o cerco para
recriar com fidelidade o ambiente em que jogou seus protagonistas fictícios, enviados
em uma missão surreal: achar
ovos para o bolo de casamento
da filha de um general.
Apesar de ser a primeira obra
do autor a sair no Brasil, seu
texto é familiar aos cinéfilos
nacionais: seu primeiro livro,
"The 25th Hour", originou o
roteiro (dele mesmo) de "A Última Noite" (2002), filme de
Spike Lee. A partir daí, Benioff
virou um roteirista requisitado: adaptou o clássico "Ilíada"
-que virou "Tróia" (2004), de
Wolfgang Petersen- e o best-seller "O Caçador de Pipas"
(2007, Marc Forster). Também
assina um dos filmes de super-herói mais esperados de 2009,
"Wolverine", e um roteiro para
um longa sobre Kurt Cobain.
O Brasil tampouco é estranho ao autor: ele esteve no país
três vezes, conhecendo lugares
como Goiás, Bahia, Ceará e Rio.
FOLHA - Como foi voltar a fazer um
romance após se dedicar a roteiros?
DAVID BENIOFF - Você se prende
a certos hábitos quando faz roteiros, é um formato rígido:
verbos no presente, narrativa
em terceira pessoa, texto enxuto, não é preciso descrever muito as coisas -porque se escrevo, por exemplo, "interior do
restaurante, dia", um designer
de produção e um decorador de
set vão determinar isso na tela.
Em um livro, você não é capaz
de visualizar o restaurante se
não houver descrição. E, após
sete anos escrevendo roteiros,
os músculos de que você precisa para descrever cenas em um
livro e entrar na mente dos personagens ficam atrofiados.
FOLHA - Como voltou à forma?
BENIOFF - Foram meses de texto ruim e lentidão, gastava noites para escrever um parágrafo.
Com o tempo, você vai readquirindo o ritmo.
FOLHA - Você pesquisou o cerco de
Leningrado para escrever?
BENIOFF - Fiz uma tonelada de
pesquisas e viajei a São Petersburgo [nome atual de Leningrado], tentei fazer a parte histórica o mais acurada possível,
há pouca coisa fictícia sobre o
que ocorria na cidade durante o
cerco. Os detalhes de canibalismo e os métodos para arranjar
coisas para comer, como fazer
sopa cozinhando a cola usada
em livros, são detalhes factuais.
FOLHA - Como você decidiu o que
colocaria no livro?
BENIOFF - Escrevi centenas de
páginas com anotações das minhas pesquisas, mas, ao começar o livro, não quis enchê-lo de
detalhes só porque eram historicamente precisos. Só quis incluir o que era significativo para a história. Parte da inspiração veio de diários dos habitantes, descrições da sobrevivência dia a dia, algo factual e, muitas vezes, bem-humorado. O
humor foi uma inspiração.
FOLHA - Você já escreveu roteiros
adaptados de obras suas e de outros
autores. Qual é mais difícil?
BENIOFF - Ambos são difíceis.
Em "O Caçador de Pipas", senti
pressão por não querer desapontar Khaled [Hosseini, o autor]. Foi diferente de quando
adaptei "Por Quem os Sinos
Dobram", de Hemingway, que
está morto e não poderia ficar
desapontado, mas aí há pressão
por ser um clássico. Quando
você adapta um livro seu, a dificuldade é a falta de distanciamento. Se você não tem ligação
com a obra, é mais fácil notar o
que não funciona na tela.
FOLHA - Falando em roteiros, como
foi escrever "Wolverine"?
BENIOFF - Foi difícil. É um personagem que adoro, e não havia
uma história definida, são diversas as histórias. Acho que fizemos o certo, contar sua origem com forte influência da
HQ "Arma X". Mas não vi o filme. Meu roteiro sofreu modificações, ficou bem diferente do
que eu havia escrito. Vão refilmar algumas cenas em janeiro.
FOLHA - Isso o aborreceu?
BENIOFF - É difícil ver outros
mudarem o que você fez, mas
não é como se o personagem
fosse meu. Por mais que goste
dele, ele já existia. No caso de
"Cidade de Ladrões", há diretores querendo adaptá-lo, mas
não deixo, porque os personagens são próximos de mim. Só
vai virar filme se eu o dirigir.
FOLHA - Você se considera pronto
para dirigir?
BENIOFF - Será um desafio, vou
ficar nervoso. Mas todos os trabalhos excitantes me deixam
nervoso. Por exemplo, estou fazendo um roteiro sobre Kurt
Cobain. É a primeira vez que
escrevo sobre uma pessoa real,
que tem viúva e filha, e me sinto
pressionado. Não quero magoar a menina, mas tenho de
ser honesto com a história dele.
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