São Paulo, domingo, 06 de dezembro de 2009

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Bortolotto é baleado na praça Roosevelt

Dramaturgo leva três tiros ao reagir a assalto dentro de teatro; até a noite de ontem, permanecia em estado grave

Artistas fazem vigília em hospital e cancelam peças; disparos atingiram também o desenhista Carcará, que foi internado, mas passa bem

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

O movimento teatral que ocupa a praça Roosevelt, no centro de São Paulo, transferiu-se, na tarde de ontem, para um dos páteos da Santa Casa de Misericórdia, no bairro de Santa Cecília. Durante todo o dia, atores, produtores, dramaturgos e amigos esperaram, vigilantes, notícias a respeito do estado de saúde de Mário Bortolotto, baleado, durante a madrugada, no Espaço Parlapatões, um dos principais símbolos da praça.
Até o último boletim, divulgado às 19h30, o estado de saúde de Bortolotto era considerado muito grave. Ele foi atingido por três tiros -no tórax, na barriga e no pescoço- e passou por uma cirurgia para a retirada de duas balas. No início da noite, começou a ser submetido a uma segunda cirurgia.
O dramaturgo, de reconhecido temperamento intempestivo, foi atingido pelos ladrões ao tentar enfrentá-los. Ele estava reunido, com cerca de 15 amigos, no bar do teatro onde está em cartaz "Brutal", peça de sua autoria. Segundo amigos presentes, os assaltantes apareceram no momento em que a porta foi aberta para que a atriz Fernanda D'Umbra entrasse. Armados, ordernaram: "Todo mundo para o chão". Bortolotto levantou-se e falou: "Vai atirar? Então atira".
Nesse momento, o ilustrador Carcará, namorado da atriz Maria Manoella, que está no elenco de "Brutal", tentou contê-lo. Acabou atingido por um tiro na perna. "Ele serviu de escudo para o Bortolotto", diz Raul Barretto, dos Parlapatões. "Não vi nada porque estava abaixada. Mas foram pelo menos 10 tiros e eles estavam completamente descontrolados", diz a atriz Martha Nowill.
Outra atriz da peça, Guta Ruiz, levou uma coronhada. Na Santa Casa, ela reencenava, com gestos largos, o acontecido. "Depois, eu estava tão nervosa, que um cara da polícia disse que ia me levar para a delegacia. Eu levo coronhada e vou ser presa?", perguntava, para uma plateia atenta.
Entre as cerca de 50 pessoas que passaram pelo hospital estavam atores como Gero Camilo e Paulo César Pereio, autores como Marcelo Rubens Paiva e o cartunista Loureço Mutarelli. Quase todos evitaram falar dos destinos da praça após o episódio. "É o momento de fazermos uma corrente", dizia Camilo, que cancelou a apresentação de sua peça, em Campos do Jordão, para ficar no hospital. Todos diziam também que dificilmente Bortolotto deixaria de reagir. "Estavam ameaçando os amigos dele", diz Mutarelli, que está transformanso o dramaturgo em personagem de HQ.
"Foi na Praça Roosevelt como poderia ter sido em qualquer outro lugar da cidade", diz a dramaturga Marília Toledo, que, neste ano, abriu ali o Miniteatro. "Os viciados em crack estão perambulando pelo centro e entram na primeira porta aberta", diz o ator Jiddu. Hugo Possolo, dos Parlapatões, diz que, no caixa, havia, no máximo, R$ 200: "Nem teria o que levar. Todo mundo paga com cartão ou pendura".
Alguns espaços, como os Parlapatões, cancelaram os espetáculos na noite de ontem. Outros, como o Espaço Next, mantiveram a programação. "O Marião vai xingar a gente se descobrir que cancelamos a peça", Lulu Pavarin, em cartaz com "A Loucadora de Vídeo". "Temos que manter a praça viva."
Alguns dos artistas atribuem a violência à retirada das mesas das calçadas, que teriam deixado a região erma novamente. Possolo diz: "É complicado falar nas razões dessa tragédia, mas acho que ela atinge todo o movimento da praça".

Underground
Nascido em Londrina, em 1962, Bortolotto é o nome mais conhecido da praça e resume seu espírito. Fundador do Grupo Cemitério de Automóveis, sempre fez um teatro de tom indignado e natureza marginal.
No final da tarde de ontem, a polícia divulgou imagens de um suspeito, tiradas do circuito interno do bar.


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