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Bortolotto é baleado na praça Roosevelt
Dramaturgo leva três tiros ao reagir a assalto dentro de teatro; até a noite de ontem, permanecia em estado grave
Artistas fazem vigília em hospital e cancelam peças; disparos atingiram também o desenhista Carcará, que foi internado, mas passa bem
ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL
O movimento teatral que
ocupa a praça Roosevelt, no
centro de São Paulo, transferiu-se, na tarde de ontem, para
um dos páteos da Santa Casa de
Misericórdia, no bairro de Santa Cecília. Durante todo o dia,
atores, produtores, dramaturgos e amigos esperaram, vigilantes, notícias a respeito do estado de saúde de Mário Bortolotto, baleado, durante a madrugada, no Espaço Parlapatões, um dos principais símbolos da praça.
Até o último boletim, divulgado às 19h30, o estado de saúde de Bortolotto era considerado muito grave. Ele foi atingido
por três tiros -no tórax, na barriga e no pescoço- e passou por
uma cirurgia para a retirada de
duas balas. No início da noite,
começou a ser submetido a
uma segunda cirurgia.
O dramaturgo, de reconhecido temperamento intempestivo, foi atingido pelos ladrões ao
tentar enfrentá-los. Ele estava
reunido, com cerca de 15 amigos, no bar do teatro onde está
em cartaz "Brutal", peça de sua
autoria. Segundo amigos presentes, os assaltantes apareceram no momento em que a porta foi aberta para que a atriz
Fernanda D'Umbra entrasse.
Armados, ordernaram: "Todo
mundo para o chão". Bortolotto levantou-se e falou: "Vai atirar? Então atira".
Nesse momento, o ilustrador
Carcará, namorado da atriz
Maria Manoella, que está no
elenco de "Brutal", tentou contê-lo. Acabou atingido por um
tiro na perna. "Ele serviu de escudo para o Bortolotto", diz
Raul Barretto, dos Parlapatões.
"Não vi nada porque estava
abaixada. Mas foram pelo menos 10 tiros e eles estavam
completamente descontrolados", diz a atriz Martha Nowill.
Outra atriz da peça, Guta
Ruiz, levou uma coronhada. Na
Santa Casa, ela reencenava,
com gestos largos, o acontecido. "Depois, eu estava tão nervosa, que um cara da polícia
disse que ia me levar para a delegacia. Eu levo coronhada e
vou ser presa?", perguntava,
para uma plateia atenta.
Entre as cerca de 50 pessoas
que passaram pelo hospital estavam atores como Gero Camilo e Paulo César Pereio, autores
como Marcelo Rubens Paiva e o
cartunista Loureço Mutarelli.
Quase todos evitaram falar dos
destinos da praça após o episódio. "É o momento de fazermos
uma corrente", dizia Camilo,
que cancelou a apresentação de
sua peça, em Campos do Jordão, para ficar no hospital. Todos diziam também que dificilmente Bortolotto deixaria de
reagir. "Estavam ameaçando os
amigos dele", diz Mutarelli, que
está transformanso o dramaturgo em personagem de HQ.
"Foi na Praça Roosevelt como poderia ter sido em qualquer outro lugar da cidade", diz
a dramaturga Marília Toledo,
que, neste ano, abriu ali o Miniteatro. "Os viciados em crack
estão perambulando pelo centro e entram na primeira porta
aberta", diz o ator Jiddu. Hugo
Possolo, dos Parlapatões, diz
que, no caixa, havia, no máximo, R$ 200: "Nem teria o que
levar. Todo mundo paga com
cartão ou pendura".
Alguns espaços, como os Parlapatões, cancelaram os espetáculos na noite de ontem. Outros, como o Espaço Next, mantiveram a programação. "O Marião vai xingar a gente se descobrir que cancelamos a peça",
Lulu Pavarin, em cartaz com "A
Loucadora de Vídeo". "Temos
que manter a praça viva."
Alguns dos artistas atribuem
a violência à retirada das mesas
das calçadas, que teriam deixado a região erma novamente.
Possolo diz: "É complicado falar nas razões dessa tragédia,
mas acho que ela atinge todo o
movimento da praça".
Underground
Nascido em Londrina, em
1962, Bortolotto é o nome mais
conhecido da praça e resume
seu espírito. Fundador do Grupo Cemitério de Automóveis,
sempre fez um teatro de tom
indignado e natureza marginal.
No final da tarde de ontem, a
polícia divulgou imagens de um
suspeito, tiradas do circuito interno do bar.
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