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DRAUZIO VARELLA
Instinto materno
Mulheres que engravidam depois dos 40 têm
quatro vezes mais chance de chegar aos cem anos. Essa é uma das
conclusões do grupo da Universidade de Boston que participa do
célebre New England Centenarian Study, dedicado a acompanhar uma coorte de homens e de
mulheres que ultrapassaram a invejável marca de um século de vida, sonhada mesmo pelos que negam até a morte o desejo de atingi-la.
Os autores do estudo atribuem
tal achado a um possível retardo
no processo de envelhecimento
associado à ocorrência da gravidez numa época em que a concentração de hormônios sexuais
já se encontra em declínio. A tempestade hormonal e os mediadores neuroquímicos liberados durante as fases de gestação e aleitamento teriam a propriedade de
contrabalançar deficiências cognitivas relacionadas com a menopausa, proteger melhor o cérebro
e conduzir à longevidade.
Do ponto de vista evolutivo,
nós, mamíferos, descendemos dos
répteis, animais que se acasalam,
botam ovos em esconderijos
aquecidos e vão cuidar da vida
pessoal; o futuro da prole não lhes
diz respeito. Na transição para
animais que amamentam seus filhotes, há mais ou menos 90 milhões de anos, nossos antepassados optaram por estratégias mais
responsáveis: manter os filhos no
útero materno para nascer com
maior probabilidade de sobrevivência, amamentá-los e defendê-los das agressões externas até serem capazes de andar com as próprias pernas.
C. Kinsley e K. Lambert, no número de janeiro da revista "Scientific American", fazem uma revisão sobre esse tema. Virtualmente, dizem eles, "nos mamíferos, todas as fêmeas sofrem profundas
mudanças comportamentais durante a gravidez e a maternidade,
porque o que antes era um organismo devotado a suas necessidades e à sobrevivência individual,
agora precisa concentrar-se nos
cuidados e no bem-estar dos filhos".
Na década de 1940, foi demonstrado que estrogênios e progesterona, os hormônios sexuais femininos, modulam respostas como
agressão e sexualidade em cachorros, gatos e ratos. Mais tarde,
ficou claro que esses hormônios
sexuais, juntamente com a prolactina, mensageiro essencial à
produção de leite, são fundamentais para a adoção do comportamento materno.
Nos últimos 20 anos, além desses hormônios, foram descritos
mediadores químicos que também exercem influência no comportamento materno através de
ação direta sobre o sistema nervoso central. É o caso das endorfinas, produzidas pela hipófise e
pelo hipotálamo para combater
os efeitos nocivos da dor, mediadores liberados em quantidades
crescentes à medida que a gestação se aproxima do final, com o
objetivo de reduzir o sofrimento
causado pelas dores do parto e de
contribuir para a instalação do
comportamento maternal.
No momento do parto, a hipófise e o hipotálamo secretam, ainda, ocitocina, hormônio que estimula as contrações uterinas e a liberação do leite. A ocitocina,
também produzida na fase de
amamentação em resposta à sucção do leite através do mamilo,
estimula o hipocampo, área cerebral envolvida no processamento
da memória e aprendizado.
O mais interessante é que, uma
vez disparado pelos hormônios e
mediadores citados, o comportamento materno diminui sua dependência deles: a simples presença do filho se torna suficiente para mantê-lo. Exames do cérebro
de ratas em época de aleitamento
mostram que ocorre ativação de
uma área cerebral conhecida como núcleo acumbens, na qual se
integram neurônios encarregados
das sensações de reforço e de recompensa, mecanismos semelhantes aos envolvidos na dependência de drogas. Curiosamente,
ratas tornadas dependentes de
cocaína, quando colocadas diante do dilema da escolha entre a
droga e os filhotes recém-nascidos, dão preferência a estes.
Uma área do hipotálamo feminino denominada mPOA guarda
relação importante com o comportamento materno. Em ratos, a
injeção de morfina nessa região
desestrutura a ligação mãe-filho.
Mas outras áreas cerebrais estão
envolvidas nesse relacionamento:
a amígdala e o córtex cingulado,
estações para onde confluem os
circuitos de neurônios que transmitem sinais relacionados com as
emoções e o medo.
A ativação dessas áreas em animais de laboratório tem profundo
impacto no comportamento materno. A ação dos hormônios e dos
mediadores citados tem a finalidade de reduzir o medo e a ansiedade e de proporcionar maior habilidade de orientação espacial
(característica que não é o forte
feminino), para dar coragem às
fêmeas para abandonar o ninho,
achar alimentos com mais facilidade e encontrar rapidamente o
caminho de volta para proteger os
filhotes com unhas e dentes, como
só as mães sabem fazer.
É muito provável que o desafio
de engravidar e de garantir a sobrevivência da prole induza alterações persistentes no cérebro
materno, capazes de interferir
com as emoções, memória, aprendizado e de explicar a facilidade
com a qual as mulheres executam
múltiplas tarefas simultâneas.
Filhos pequenos são seres totalmente dependentes, mamam a
cada três horas, sujam fraldas, esfolam os mamilos maternos, choram por qualquer necessidade e
ainda custam caro. Que mulher
agüentaria esse inferno com o cérebro de moça virgem?
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