São Paulo, segunda-feira, 07 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livro mostra Hollywood como universo à parte

Volume criado a partir de material compilado de site analisa filmes impecáveis e nonsense

Fã "desapontado" de sagas estelares, Tom Rogers põe "Jornada nas Estrelas" acima de "Guerra nas Estrelas" em questões de física

Divulgação
MATRIXNeo (Keanu Reever) descobre que as máquinas se alimentam da energia bioelétrica dos corpos humanos enquanto brincam com seus cérebros. A teoria esbarra na segunda lei da termodinâmica (segundo a qual o estado de desorganização de um sistema nunca diminui), já que o calor do corpo é uma forma de energia muito mais dispersa (desorganizada) que a elétrica.

RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao passar das HQs para o cinema, Peter Parker abandonou as teias artificiais e passou a ejetar fios produzidos por seu próprio organismo. Uma evolução e tanto -não fosse o efeito colateral, ignorado pelo "Homem-Aranha" de Sam Raimi, de o herói perder um volume considerável de seu corpo a cada voltinha dependurado em prédios de Nova York.
Como o personagem vivido por Tobey Maguire não definha ao abandonar metros de seu organismo por aí, só dá para concluir que ele cria matéria do nada, desafiando a física. A conclusão está no livro "Insultingly Stupid Movie Physics" (física ofensivamente estúpida de filmes), do norte-americano Tom Rogers, lançado no fim do ano passado nos EUA.
A obra compila material da coluna virtual homônima (intuitor.com/moviephysics) do professor de física, criada em 1997 com o penoso propósito de cativar alunos adolescentes com temas "arrebatadores" como as leis de Newton.
Entre uma e outra resenha, Rogers confirmou que Hollywood é um universo à parte, em que quaisquer pontas de cigarro em poças de gasolina causam explosões homéricas e tiros na perna incomodam tanto quanto um arranhão.
"A ficção científica quase sempre tem de expandir ou dar nós nas leis da física para que a história faça sentido. Não vejo problema, mas acho que deveriam fazer isso só quando houvesse propósito artístico. E sem perder tempo com explicações estúpidas", diz Tom Rogers à Folha, por e-mail.
Entre seus alvos, estão obras impecáveis como "2001: Uma Odisséia no Espaço" (1968), de Kubrick; entretenimento como o "King Kong" (2005) de Peter Jackson; e bobajadas do início ao fim, como "Armageddon" (1998), de Michael Bay, e "O Dia Depois de Amanhã" (2004), de Roland Emmerich.

Liberdade artística
Isso é podar a liberdade artística, dizem os críticos que bombardeiam o professor com e-mails. Liberdade artística, contra-argumenta Rogers no livro, é o que há na pintura "O Bar de Folies-Bergère" (1882), de Edouard Manet (1832-83). A obra mostra uma jovem na frente de um espelho -a imagem é realista; o reflexo é deliberadamente absurdo. "Há diferença entre quebrar regras de forma inteligente e criteriosa e a falta de graça de um amador que não tem perspectiva, proporção nem visão de física", diz.
Fã "muitas vezes desapontado" de "Guerra nas Estrelas" e "Jornada nas Estrelas", Rogers lhes dedicou um capítulo inteiro. Uma tabela lista tópicos como "batalha espacial" e "gravidade artificial". Os dez filmes e cinco séries de TV de "Jornada" saem na frente dos seis longas de "Guerra" -ficam com -12 pontos numa conta em que a pontuação cai a cada absurdo; "Guerra" amarga os -20. Os filmes de George Lucas perdem graças a lorotas como os sabres de luz, "ilógicos" e detentores de "física desconhecida".
A trilogia original de "Guerra" ganha um desconto do autor na comparação com os três filmes mais recentes, por ter sido "uma piada interna feita para pôr alguma graça em Hollywood" nos anos 70. "Pode parecer ficção científica, mas é um misto de paródia e fantasia."

Promoção ao nonsense
Rogers diz que dá dicas quando consultado por produtores, mas que não revisa roteiros e tampouco quer seu nome em créditos. "Consultores de ciência geralmente têm pouco poder sobre a forma final de um filme. Eu poderia acabar ajudando a promover o nonsense."
Ele chegou a testemunhar uma dessas situações quando sua crítica de "Missão ao Centro da Terra" (2003) foi publicada e um roteirista lhe escreveu, indignado, argumentando que "a ciência do filme é a mais acurada", já que os produtores tinham contado com um cientista Ph.D. como consultor.
Justo "Missão ao Centro da Terra", que ganhou de Rogers o título de pior física de filmes de todos os tempos. Tudo bem, é só um filme sobre o dia em que a rotação da Terra parou e seu campo magnético ficou ameaçado, o que levou um grupo de cientistas a adentrar o planeta para reativar o seu núcleo... "É tão ruim que é bom", conclui Rogers, que poderia cobrar participação nos lucros: por razões óbvias, o filme vira assunto em várias de suas aulas e é recomendadíssimo no livro.


INSULTINGLY STUPID MOVIE PHYSICS
Autor:
Tom Rogers
Editora: Sourcebooks (importado)
Quanto: US$ 10,17 (cerca de R$ 18, mais taxas, pelo site www.amazon.com; 325 págs.)


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Mônica Bergamo ganha mais espaço e colunistas mudam
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.