São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2005

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AUTO DE FÉ

Exposição aberta em Washington reúne 17 retratos religiosos criados por Rembrandt no final de sua vida

FABIANO MAISONNAVE
DE WASHINGTON

Há dois aspectos notáveis na mostra de Rembrandt van Rijn (1606-1669) recém-aberta na capital americana. Trata-se da primeira exibição conjunta dos poderosos retratos religiosos concebidos no final da vida do artista. E essa reunião inédita reacende, para os especialistas, antigas indagações sobre a última e misteriosa fase do mais importante pintor holandês do século 17.
Intitulada "Os Últimos Retratos Religiosos de Rembrandt", a exposição montada na National Gallery of Art traz 17 pinturas criadas entre o final da década de 1650 e o início do decênio seguinte e reunidas de museus e coleções europeus e americanos.
Com entrada gratuita, a mostra ficará em Washington até o dia 1º de maio. Depois, a mostra segue para o museu J. Paul Getty, em Los Angeles, onde será exibida de 7 de junho a 28 de agosto.
Para atrair o público fora da capital americana, a National Gallery colocou na internet todos os retratos em exibição, com análises e ferramentas interativas: www.nga.gov/exhibitions/2005/rembrandt/flash/index.shtm.
Muitos desses retratos trazem os apóstolos mas também há Jesus Cristo, a Virgem Maria, santos e religiosos, alguns deles nunca identificados. Complementam a mostra gravuras com imagens bíblicas do acervo da instituição.
Materializados no período mais turbulento da carreira do artista, esses retratos há décadas desafiam os estudiosos de Rembrandt, que têm debatido se eles formam uma série, se foram feitos sob encomenda e se refletem a angústia do artista diante de suas crescentes dificuldades pessoais.
"No último fim de semana, reunimos 40 acadêmicos de todo o mundo para ver a exposição e discuti-la. A idéia era apenas ficar diante das pinturas. Para todos, foi uma incrível experiência vê-las juntas. As obras são muito poderosas individualmente, mas, quando colocadas lado a lado, produzem um efeito maior", disse, em entrevista à Folha, o curador da mostra, Arthur K. Wheelock Jr.
"Isso é muito interessante no que diz respeito ao perfil emocional desses trabalhos. Aí volta a questão: É uma sensação momentânea ou reforça a idéia de que eles foram concebidos de uma forma organizada?"
Responde o próprio Wheelock: "Para mim, eles se complementam e se integram de uma forma que nem eu esperava antes da montagem da exposição".

Religiosidade e isolamento
Os últimos anos de Rembrandt foram também os mais difíceis. Após o sucesso e a influência alcançados nas décadas de 1630 e 1640, o artista viu as encomendas e os alunos escassearem. Endividado, foi obrigado a vender a casa, a coleção de arte e até o túmulo de sua mulher.
O isolamento aumentou após Rembrandt, viúvo desde 1642, ter engravidado a sua empregada, Hendrickje Stoffels, em 1654, um grande escândalo para a época.
A crise, porém, não diminuiu o ritmo intenso de trabalho. "Há muitas pinturas feitas num período muito curto. Quando pensamos nos últimos anos de Rembrandt, marginalizado na arte holandesa após o estilo da época ter se tornado mais clássico, percebemos como ele estava passionalmente envolvido com essas pinturas", disse o curador.
No catálogo da exibição, Wheelock escreve: "Ele caracterizou essas figuras bíblicas como pessoas reais, não heróis idealizados, mas homens e mulheres que andaram sobre a Terra com paixões e crenças, com medos e ansiedades similares àqueles sentidos pelo resto da humanidade".
Para o curador, essa visão religiosa do artista chega à sua expressão máxima em "Auto-Retrato como o Apóstolo Paulo", pintado em 1661 e no qual, aos 55 anos, explicita de vez a sua identificação com o santo, personagem recorrente ao longo de toda a sua obra.
O retrato de Rembrandt/Paulo traz o olhar fixo no observador. As referências ao apóstolo são a espada, símbolo do martírio de são Paulo, e o manuscrito, alusão ao Evangelho.
"A pintura ilustra belamente a forma como Rembrandt retrata os apóstolos e evangelistas: ele não usa apenas suas idéias religiosas e sua complexa história pessoal mas também sua empatia com os sujeitos de suas pinturas", escreve Wheelock.
"O Rembrandt/são Paulo nesta pintura é o grande (mas imperfeito) homem que, salvo pela graça de Deus, revela o poder da fé cristã para os outros que lutam com as próprias limitações humanas", acrescenta.
"Combati o bom combate, terminei a minha carreira e guardei a fé", escreveu o apóstolo Paulo.
E Rembrandt, não?


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