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AUTO DE FÉ
Exposição aberta em Washington reúne 17 retratos religiosos criados por Rembrandt no final de sua vida
FABIANO MAISONNAVE
DE WASHINGTON
Há dois aspectos notáveis na
mostra de Rembrandt van Rijn
(1606-1669) recém-aberta na capital americana. Trata-se da primeira exibição conjunta dos poderosos retratos religiosos concebidos no final da vida do artista. E
essa reunião inédita reacende, para os especialistas, antigas indagações sobre a última e misteriosa
fase do mais importante pintor
holandês do século 17.
Intitulada "Os Últimos Retratos
Religiosos de Rembrandt", a exposição montada na National Gallery of Art traz 17 pinturas criadas
entre o final da década de 1650 e o
início do decênio seguinte e reunidas de museus e coleções europeus e americanos.
Com entrada gratuita, a mostra
ficará em Washington até o dia 1º
de maio. Depois, a mostra segue
para o museu J. Paul Getty, em
Los Angeles, onde será exibida de
7 de junho a 28 de agosto.
Para atrair o público fora da capital americana, a National Gallery colocou na internet todos os
retratos em exibição, com análises
e ferramentas interativas:
www.nga.gov/exhibitions/2005/rembrandt/flash/index.shtm.
Muitos desses retratos trazem
os apóstolos mas também há Jesus Cristo, a Virgem Maria, santos
e religiosos, alguns deles nunca
identificados. Complementam a
mostra gravuras com imagens bíblicas do acervo da instituição.
Materializados no período mais
turbulento da carreira do artista,
esses retratos há décadas desafiam os estudiosos de Rembrandt,
que têm debatido se eles formam
uma série, se foram feitos sob encomenda e se refletem a angústia
do artista diante de suas crescentes dificuldades pessoais.
"No último fim de semana, reunimos 40 acadêmicos de todo o
mundo para ver a exposição e discuti-la. A idéia era apenas ficar
diante das pinturas. Para todos,
foi uma incrível experiência vê-las
juntas. As obras são muito poderosas individualmente, mas,
quando colocadas lado a lado,
produzem um efeito maior", disse, em entrevista à Folha, o curador da mostra, Arthur K. Wheelock Jr.
"Isso é muito interessante no
que diz respeito ao perfil emocional desses trabalhos. Aí volta a
questão: É uma sensação momentânea ou reforça a idéia de que
eles foram concebidos de uma
forma organizada?"
Responde o próprio Wheelock:
"Para mim, eles se complementam e se integram de uma forma
que nem eu esperava antes da
montagem da exposição".
Religiosidade e isolamento
Os últimos anos de Rembrandt
foram também os mais difíceis.
Após o sucesso e a influência alcançados nas décadas de 1630 e
1640, o artista viu as encomendas
e os alunos escassearem. Endividado, foi obrigado a vender a casa, a coleção de arte e até o túmulo
de sua mulher.
O isolamento aumentou após
Rembrandt, viúvo desde 1642, ter
engravidado a sua empregada,
Hendrickje Stoffels, em 1654, um
grande escândalo para a época.
A crise, porém, não diminuiu o
ritmo intenso de trabalho. "Há
muitas pinturas feitas num período muito curto. Quando pensamos nos últimos anos de Rembrandt, marginalizado na arte holandesa após o estilo da época ter
se tornado mais clássico, percebemos como ele estava passionalmente envolvido com essas pinturas", disse o curador.
No catálogo da exibição, Wheelock escreve: "Ele caracterizou essas figuras bíblicas como pessoas
reais, não heróis idealizados, mas
homens e mulheres que andaram
sobre a Terra com paixões e crenças, com medos e ansiedades similares àqueles sentidos pelo resto da humanidade".
Para o curador, essa visão religiosa do artista chega à sua expressão máxima em "Auto-Retrato como o Apóstolo Paulo", pintado em 1661 e no qual, aos 55 anos,
explicita de vez a sua identificação
com o santo, personagem recorrente ao longo de toda a sua obra.
O retrato de Rembrandt/Paulo
traz o olhar fixo no observador.
As referências ao apóstolo são a
espada, símbolo do martírio de
são Paulo, e o manuscrito, alusão
ao Evangelho.
"A pintura ilustra belamente a
forma como Rembrandt retrata
os apóstolos e evangelistas: ele
não usa apenas suas idéias religiosas e sua complexa história pessoal mas também sua empatia
com os sujeitos de suas pinturas",
escreve Wheelock.
"O Rembrandt/são Paulo nesta
pintura é o grande (mas imperfeito) homem que, salvo pela graça
de Deus, revela o poder da fé cristã para os outros que lutam com
as próprias limitações humanas",
acrescenta.
"Combati o bom combate, terminei a minha carreira e guardei a
fé", escreveu o apóstolo Paulo.
E Rembrandt, não?
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