São Paulo, quarta-feira, 07 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Festival É Tudo Verdade trará Kieslowski documental

Em março, 12ª edição da mostra apresentará 14 títulos que compõem a produção não-ficcional do diretor polonês, incluindo o curta "Da Cidade de Lodz"

Divulgação
Krzystof Kieslowski, mais conhecido por seus filmes ficcionais, como "A Dupla Vida de Véronique'


SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Na escola de cinema, em Lodz, ele era chamado pelos colegas de "engenheiro". "Suspeito que fosse porque eu tinha o hábito ou a obsessão de arrumar tudo à minha volta. Eles também me chamavam de "orni" ou "ornitologista", provavelmente por causa da minha paciência ao fazer documentários", lembrou, em depoimento a Danusia Stok.
O rigor e o método de Krzystof Kieslowski (1941-1996) em seu período como "engenheiro-ornitologista" poderão ser vistos na retrospectiva que a 12ª edição do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários dedicará ao cineasta polonês.
Estão previstos 14 títulos, entre os quais os já confirmados "Da Cidade de Lodz" (1970), "Eu Fui um Soldado" (1970), "Pedreiro" (1973), "Raio-X" (1974), "Curriculum Vitae" (1975) e "Sete Mulheres de Diferentes Idades" (1978).
Kieslowski falava com nostalgia e carinho da primeira fase de sua carreira, consagrada à produção documental. Os trabalhos posteriores de ficção, como a minissérie de TV "Decálogo" (1988) e a "Trilogia das Cores" (1993-1994), estabelecem relação próxima com o registro humanista dos documentários de sua autoria.
"Eu costumava ser muito paciente quando fazia documentários -claro, porque o trabalho demanda isso-, mas hoje sou absolutamente impaciente", disse o cineasta a Stok já nos anos 90, em depoimento publicado no livro "Kieslowski on Kieslowski" (Faber and Faber, Londres, 1993).
"É uma questão de idade. Quando você começa, pensa que tem todo o tempo do mundo. Então, você vai se tornando mais e mais consciente de que não terá esse tempo todo, e de que não quer perdê-lo com coisas que não valham a pena." Traduzida em forma de observação cuidadosa de pessoas e ambientes, a tal "paciência" é a marca de seu trabalho como documentarista.

Registro orgânico
No curta "Da Cidade de Lodz", seu filme de formatura, as imagens formam um recorte orgânico da vida urbana - mulheres na fábrica, homens nas ruas, crianças brincando. Protesta-se contra a decisão de acabar com uma orquestra de trabalhadores, homenageia-se uma funcionária antiga que está se aposentando. A câmera e a montagem procuram embeber com alguma poesia um cenário de realismo socialista.
"Sete Mulheres de Diferentes Idades" tem estrutura mais original, ao dar conta do que o título propõe em 16 minutos e sete blocos, cada um relacionado a um dia da semana. Em foco, as atividades de uma companhia-escola de balé, suas professoras e alunas, lembrando a abordagem escolhida por Robert Altman para o docudrama "De Corpo e Alma" (2003).
"Eu Fui um Soldado", produzido por um estúdio de Varsóvia então especializado em filmes sobre ou para o Exército, traz depoimentos de homens que perderam a visão na Segunda Guerra Mundial. Kieslowski disse a Stok que apenas pôs os ex-combatentes diante da câmera e perguntou a eles "quais eram os seus sonhos".
Embora temas e procedimentos tenham incomodado as autoridades e limitado a circulação de diversos de seus documentários, alguns filmes superaram restrições e cumpriram papel importante ao expandir os limites do cinema estatal polonês nos anos 70.
Um deles foi o média-metragem "Curriculum Vitae", de formato híbrido. Kieslowski apresenta um caso fictício de traição ideológica, cometida por um membro do Partido Comunista, a um comitê autêntico que julga, de acordo com os trâmites habituais, o pedido de expulsão. Aos poucos, no entanto, os inquisidores do comitê passam a acreditar na veracidade do caso e "se soltam", expondo o próprio autoritarismo.
A 12ª edição do É Tudo Verdade será realizada em São Paulo (de 22 de março a 1º de abril), Rio de Janeiro (de 23 de março a 1º de abril), Brasília (de 3 a 15 de abril) e Campinas (de 9 a 15 de abril).


Texto Anterior: João Pereira Coutinho: Tapetes voadores
Próximo Texto: Mau Mau lança disco para tocar fora das pistas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.