São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2009

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Mistério no Alasca

Pulitzer de ficção, o escritor americano Michael Chabon fala à Folha sobre "Associação Judaica de Polícia", que sai agora no Brasil e que será adaptado ao cinema pelos irmãos Coen

Ulf Andersen/Getty Images
O autor americano Michael Chabon

RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

A ideia pareceu boa ao presidente Franklin Roosevelt: povoar o Alasca, inóspito território que os EUA haviam comprado dos russos por uma pechincha 70 anos antes, e ao mesmo tempo abrigar judeus, numa época em que a Europa não era ambiente seguro. Estava longe de ser a Terra Prometida, mas quebrava um galho.
Essa passagem, com jeito de ficção e no entanto real, não passou de uma nota de rodapé na história. O projeto de colonizar o Alasca com judeus refugiados foi barrado em 1940 pelo representante do Estado no Congresso, Anthony Dimond.
É aí que a ficção se afasta dos fatos no romance "Associação Judaica de Polícia" (2007), do norte-americano Michael Chabon, que sai agora pela Companhia das Letras, e cujos direitos para o cinema foram comprados pelos irmãos Coen.
Na realidade alternativa imaginada pelo escritor, um taxista passa no caminho (mais precisamente por cima) de Dimond, e a lei é aprovada. Os judeus, expulsos em 1948 do incipiente Estado de Israel, formam no Alasca a colônia de Sitka. E, em 2007, os EUA decidem reaver o território, deixando seus habitantes outra vez ao deus-dará.
É o retrato de uma "época estranha para ser judeu", como repetem personagens do romance. "Na verdade, não consigo pensar em nenhum período da nossa história em que a frase não caiba. Mas também é, sempre foi, uma época estranha para ser um ser humano", diz Chabon, 45, de ascendência judaica, à Folha, por e-mail.

Morte e xadrez
O rocambolesco misto de ficção histórica e trama noir (há ainda uma morte, um enigma de xadrez...) é digno de Chabon. Outro livro dele, "As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay" (Record), best-seller sobre dois amigos que criam um herói para combater nazistas, surpreendeu ao levar, em 2001, o respeitável Pulitzer de ficção.
Em "Associação Judaica", a nevada Sitka, ex-capital russa do Alasca, vira cenário de uma ideia antiga do autor: um lugar em que a única língua oficial fosse o iídiche, misto de alemão e hebraico da Europa central.
Chabon conta que conviveu, nos EUA, com avós que falavam iídiche, mas "só quando não queriam que eu entendesse". Tempos depois, ficou surpreso ao achar uma edição de um livro dos anos 50, "Say It in Yiddish: A Phrasebook for Travelers" (fale em iídiche: um livro de expressões para viajantes).
"É um livro que dá toda a assistência a alguém que viaje a um país em que todos falem iídiche. A coisa mágica é que não existe tal país, fato para o qual o livro não alude. Fui compelido a visitar o assunto na ficção."
Chabon não visita um iídiche "puro". Ele o adapta ao que, imagina, resultaria de um idioma oficial convivendo por 60 anos com gírias americanas. Assim, "arma", que nos EUA pode também ser chamada de "piece" (pedaço), similar a "peace" (paz), vira "sholem" (de "shalom", paz, em iídiche).
A opção pelo noir foi para mostrar tal universo "na totalidade". "Queria apresentar cada camada daquele local. Daí pensei no investigador, que pode ir a todos os lugares, ver tudo, falar com todo mundo. Era a figura certa para guiar o leitor por esse inferno judaico", diz.
Não chega a ser um inferno como o desenhado por Philip Roth em "Complô contra a América" (Companhia das Letras, 2005), outro exercício de realidade alternativa -na qual o aviador Charles A. Lindbergh derrota Roosevelt nas eleições e se alia a Hitler para perseguir judeus. Em "Associação Judaica", os americanos querem de volta o Alasca, mas os judeus protagonizam seus próprios conflitos. Acusado nos EUA de "ecoar" Roth, Chabon disse que escrevia seu livro fazia um ano quando "Complô" saiu.

Adaptações para o cinema
O interesse dos irmãos Coen em filmar "Associação Judaica" deixou Chabon "emocionado". "Eles estão entre meus cineastas preferidos de todos os tempos. Sou capaz de ver "O Grande Lebowski" uma vez por ano pelo resto da minha vida!", diz.
A relação com o cinema é antiga. "Garotos Incríveis" (Record) virou filme em 2000. "Kavalier & Clay", adaptado pelo próprio escritor (trabalho que lhe tomou cinco anos), corre o risco de não sair do papel. Stephen Daldry iniciou a pré-produção, mas o projeto, caro, voltou à gaveta. O primeiro romance, "The Mysteries of Pittsburgh", virou filme em 2008 com Sienna Miller no elenco, ainda sem distribuição.
Foi com esse livro que o autor caiu no gosto do público e da crítica. Após o lançamento, em 1988, a "Newsweek" o citou como um "autor gay revelação" -algo que Chabon, casado com a escritora Ayelet Waldman, levou na esportiva. "Aquilo me trouxe um novo público, e um público leal", disse, na época.


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