São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2009

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Crítica

Autor se fixa na literatura de gênero

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Michael Chabon, depois do Pulitzer por "As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay" (2000), tem se notabilizado por sua defesa da literatura de gênero (e não me refiro ao sexo de quem escreve) e da "fan fiction" (as narrativas anônimas de aficcionados que se apropriam de personagens alheios). Esse seu apreço pelas modalidades supostamente baratas da ficção (romances de aventuras e detetivescos) levaram-no ao roteiro de "Homem-Aranha 2", mas também a "Associação Judaica de Polícia", verdadeiro triunfo literário que tardará a criar teias.
O pendor para questionar limites entre alta e baixa cultura que já não fazem nenhum sentido (se é que já fizeram) é antigo: em "Garotos Incríveis" (1995) o mentor do amalucado Grady Tripp era August Van Zorn, autor de histórias fantásticas bastante similar a H.P. Lovecraft. Após galgar serelepe a cordilheira dos mais vendidos, o próprio Chabon adotaria o "nom de plume" de Van Zorn, publicando esporadicamente contos de horror nada horrorosos. Mais além, os protagonistas "Kavalier & Clay" eram uma dupla de quadrinistas judeus na Era de Ouro dos comics, seara também experimentada nas aventuras de "The Escapist", coadjuvante do livro que terminou escapando para gibis reais.
O escritor não se desvia da rota neste último romance, paródia em todos os aspectos inspirada na literatura "hard-boiled" e mais bem sucedida que "The Final Solution" (2004), sua incursão anterior pelas vielas escuras e calçadas molhadas tão típicas do gênero. Aqui, Meyer Landsman é o clássico detetive "loser" e de mal com o cosmos, cujo antro, o pulguento hotel Zamenhof, é abalado com o assassinato de um junkie misterioso: Emanuel Lasker, além de ter a nuca varada pelo balaço, deixou inacabada sua partida de xadrez. Landsman, levando o caso como pessoal, vai à investigação com o parceiro Berko Shemets, um índio tlingit brutamontes que se considera judeu.
O cenário gelado também remete a outra variação da literatura de gênero, a de ficção histórica: Sitka é a capital do Alasca, região para onde todos os judeus foram após perderem Israel, em 1948. Sessenta anos depois, eles precisam sair de lá, pois o Alasca iídiche está prestes a ser reintegrado aos EUA. É uma estranha época para ser judeu, como Landsman não se cansa de dizer. Romance de linguagem e inventividade memoráveis, "Associação Judaica de Polícia" é impulsionado pela metralhadora metafórica de Michael Chabon, uma arma que não parece nunca engasgar.


JOCA REINERS TERRON é é escritor, autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra).

ASSOCIAÇÃO JUDAICA DE POLÍCIA
Autor: Michael Chabon
Tradução: Luiz A. de Araújo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 58 (470 págs.)
Avaliação: ótimo



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