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Filme sobre tráfico de mulheres inicia disputa em Berlim
Diretora define concorrente ao Urso de Ouro como longa
"de gângster sobre responsabilidades do primeiro mundo"
François Ozon exibiu "Ricky", o 2º título da competição, em que um bebê desenvolve asas e a capacidade de voar, quando deveria engatinhar
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A BERLIM
"Os filmes americanos têm
respostas. Os filmes europeus
têm questões. Este é um filme
profundamente europeu", disse o roteirista Kim Fupz Aakeson, do longa dinamarquês
"Lille Soldat" (pequeno soldado), de Annette K. Olesen, primeiro concorrente ao Urso de
Ouro do 59º Festival de Berlim,
exibido ontem.
A classificação de "filme europeu" (válida para a procedência e o estilo de filmar) se aplica
também ao segundo título da
disputa, o francês "Ricky", de
François Ozon.
Olesen partiu da ideia de fazer "um filme de gângster", segundo disse, lidando "com três
estereótipos bem definidos -o
do herói, o do vilão e o da vítima" e tendo como questão de
fundo as motivações interiores
de quem possui "o objetivo de
salvar alguém, seja uma pessoa
ou um país".
Lotte (Trine Dyrholm) é a
soldado do título, que retorna
da Guerra do Iraque -ou do
Afeganistão, o filme não deixa
claro- e reencontra seu pai gerenciando uma rede de prostitutas e tráfico internacional de
mulheres.
É sobretudo da Nigéria que
procede a "mercadoria", a
quem o pai de Lotte julga fazer
um favor. "Eu as estou ajudando. A Nigéria é um lugar horrível", argumenta para a filha.
À medida que se afeiçoa à
prostituta Lily (Lorna Brown),
que é amante de seu pai, Lotte
tentará salvá-la da situação em
que se encontra para devolvê-la
à Nigéria e ao contato com a filha de 9 anos, que Lily sustenta
à distância, com o dinheiro que
ganha na Dinamarca.
A diretora afirmou que "Lille
Soldat" é também sua forma de
refletir sobre as responsabilidades "do primeiro mundo em
relação aos países em desenvolvimento", já que "contribuir
para instituições assistenciais
não basta".
Bebê com asas
O foco de "Ricky" é a parcela
empobrecida da população europeia, representada por um
casal de operários -ela, francesa (Alexandra Lamy), ele, espanhol (Sergi López), que têm,
juntos, o segundo filho dela e o
primeiro dele.
Como é corrente na filmografia de Ozon ("Sob a Areia",
"O Tempo que Resta") acontecimentos extraordinários e a
presença da morte rondam a
história e definem seu rumo.
Ricky, o bebê do casal de protagonistas, desenvolve asas e a
capacidade de voar, quando deveria começar a engatinhar.
Realizadas com efeitos especiais corretos, as cenas de Ricky
batendo as asas ou com elas em
repouso soam críveis, e a atenção do espectador pode se concentrar no que acontece em
torno da situação absurda.
É aí que Ozon libera, mais
uma vez, seu olhar ácido para a
família e demais instituições
sociais. A reação de Katie
(Lamy) à particularidade do filho revela uma mulher obnubilada pelo ideal de maternidade;
o comportamento do pai desenha um homem de moral frágil,
e o apetite da imprensa pela
história desnuda o gosto pelo
grotesco em desrespeito ao padrão mínimo de civilidade.
A seu modo "europeu" de
narrativa, "Lille Soldat" e
"Ricky" têm o típico "final
aberto". Ambos não encerram
respostas, mas deixam no ar
uma indagação sobre a confiabilidade do gênero humano.
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