São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2009

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Filme sobre tráfico de mulheres inicia disputa em Berlim

Diretora define concorrente ao Urso de Ouro como longa "de gângster sobre responsabilidades do primeiro mundo"

François Ozon exibiu "Ricky", o 2º título da competição, em que um bebê desenvolve asas e a capacidade de voar, quando deveria engatinhar

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A BERLIM

"Os filmes americanos têm respostas. Os filmes europeus têm questões. Este é um filme profundamente europeu", disse o roteirista Kim Fupz Aakeson, do longa dinamarquês "Lille Soldat" (pequeno soldado), de Annette K. Olesen, primeiro concorrente ao Urso de Ouro do 59º Festival de Berlim, exibido ontem.
A classificação de "filme europeu" (válida para a procedência e o estilo de filmar) se aplica também ao segundo título da disputa, o francês "Ricky", de François Ozon.
Olesen partiu da ideia de fazer "um filme de gângster", segundo disse, lidando "com três estereótipos bem definidos -o do herói, o do vilão e o da vítima" e tendo como questão de fundo as motivações interiores de quem possui "o objetivo de salvar alguém, seja uma pessoa ou um país".
Lotte (Trine Dyrholm) é a soldado do título, que retorna da Guerra do Iraque -ou do Afeganistão, o filme não deixa claro- e reencontra seu pai gerenciando uma rede de prostitutas e tráfico internacional de mulheres.
É sobretudo da Nigéria que procede a "mercadoria", a quem o pai de Lotte julga fazer um favor. "Eu as estou ajudando. A Nigéria é um lugar horrível", argumenta para a filha.
À medida que se afeiçoa à prostituta Lily (Lorna Brown), que é amante de seu pai, Lotte tentará salvá-la da situação em que se encontra para devolvê-la à Nigéria e ao contato com a filha de 9 anos, que Lily sustenta à distância, com o dinheiro que ganha na Dinamarca.
A diretora afirmou que "Lille Soldat" é também sua forma de refletir sobre as responsabilidades "do primeiro mundo em relação aos países em desenvolvimento", já que "contribuir para instituições assistenciais não basta".

Bebê com asas
O foco de "Ricky" é a parcela empobrecida da população europeia, representada por um casal de operários -ela, francesa (Alexandra Lamy), ele, espanhol (Sergi López), que têm, juntos, o segundo filho dela e o primeiro dele.
Como é corrente na filmografia de Ozon ("Sob a Areia", "O Tempo que Resta") acontecimentos extraordinários e a presença da morte rondam a história e definem seu rumo.
Ricky, o bebê do casal de protagonistas, desenvolve asas e a capacidade de voar, quando deveria começar a engatinhar.
Realizadas com efeitos especiais corretos, as cenas de Ricky batendo as asas ou com elas em repouso soam críveis, e a atenção do espectador pode se concentrar no que acontece em torno da situação absurda.
É aí que Ozon libera, mais uma vez, seu olhar ácido para a família e demais instituições sociais. A reação de Katie (Lamy) à particularidade do filho revela uma mulher obnubilada pelo ideal de maternidade; o comportamento do pai desenha um homem de moral frágil, e o apetite da imprensa pela história desnuda o gosto pelo grotesco em desrespeito ao padrão mínimo de civilidade.
A seu modo "europeu" de narrativa, "Lille Soldat" e "Ricky" têm o típico "final aberto". Ambos não encerram respostas, mas deixam no ar uma indagação sobre a confiabilidade do gênero humano.


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