São Paulo, sábado, 7 de fevereiro de 1998

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MEMÓRIA
O vídeo que Arthur Omar fez sobre Mario Schifano

CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

O pintor italiano Mario Schifano morreu no dia 26 de janeiro, em Roma, aos 64 anos, de infarto. Ele esteve no Rio e protagonizou, em 1996, um dos melhores trabalhos do instigante cineasta, fotógrafo e músico Arthur Omar: o vídeo "A Ascensão de Mario, o Pintor".
Tendo o desejo de transformar o ato pictórico em atividade utilitária, Schifano projetou subir uma favela até o barraco mais alto do morro para pintá-lo de branco.
Para Schifano, artista da vanguarda dos anos 60, a pintura perdera o sentido em si mesma. Queria fazer uma intervenção no real.
Como salientou Omar, o intento do pintor não funcionou. A realidade no Brasil é tão densa que "problematiza" a mediação da arte. O gesto tinge-se de certa ingenuidade irônica. Mas há nobreza no gesto: o pintor culto sobe para se submeter a um serviço humilde.
A proposta gerava um estranho atrito entre a pintura erudita do europeu e a pintura de parede dos cariocas do morro. Uma tensão entre dois métodos e duas realidades. Um rapaz da favela, com voz de desenho animado, anuncia a ascensão.
Omar acompanha, em câmera lenta, a ascensão de Schifano na favela Santa Marta, carregando duas latas de tinta, com lenço na cabeça e óculos escuros, no árduo compasso de degraus e vielas. O procedimento de filmagem dá um tom solene ao ritual prosaico.
A subida vira ascensão, experiência de depuração para o pintor. A ascese é marcada pela cor escolhida para pintar o barraco: branco. No topo do morro, a revelação. A imagem da jovem moradora do barraco duplica-se em fusões.
O tempo dilatado da câmera acentua o gesto da textura que impregna a parede. Suporte, a madeira do barraco parece uma tela de quadro. Marcas e gotas da enunciação congelam no olhar. Sobra uma poça de tinta no chão.
Ao contrário da subida (decupada em múltiplos planos e ângulos), a descida é suscinta: pés nos degraus, o pintor se afasta em imagem geral e anda com a favela ao fundo.
Uma zoom enviesada na fachada do hotel introduz o pintor na porta do Copacabana Palace. Schifano acena para a câmera, satisfeito com a missão cumprida no barraco branco da favela, e entra no seu luxuoso hotel branco.



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