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MEMÓRIA
O vídeo que Arthur Omar
fez sobre Mario Schifano
CARLOS ADRIANO
especial para a Folha
O pintor italiano Mario Schifano morreu no dia 26 de janeiro, em Roma, aos 64 anos, de
infarto. Ele esteve no Rio e protagonizou, em 1996, um dos
melhores trabalhos do instigante cineasta, fotógrafo e músico Arthur Omar: o vídeo "A
Ascensão de Mario, o Pintor".
Tendo o desejo de transformar o ato pictórico em atividade utilitária, Schifano projetou
subir uma favela até o barraco
mais alto do morro para pintá-lo de branco.
Para Schifano, artista da vanguarda dos anos 60, a pintura
perdera o sentido em si mesma. Queria fazer uma intervenção no real.
Como salientou Omar, o intento do pintor não funcionou.
A realidade no Brasil é tão densa que "problematiza" a mediação da arte. O gesto tinge-se
de certa ingenuidade irônica.
Mas há nobreza no gesto: o
pintor culto sobe para se submeter a um serviço humilde.
A proposta gerava um estranho atrito entre a pintura erudita do europeu e a pintura de
parede dos cariocas do morro.
Uma tensão entre dois métodos e duas realidades. Um rapaz da favela, com voz de desenho animado, anuncia a ascensão.
Omar acompanha, em câmera lenta, a ascensão de Schifano na favela Santa Marta, carregando duas latas de tinta,
com lenço na cabeça e óculos
escuros, no árduo compasso
de degraus e vielas. O procedimento de filmagem dá um tom
solene ao ritual prosaico.
A subida vira ascensão, experiência de depuração para o
pintor. A ascese é marcada pela
cor escolhida para pintar o
barraco: branco. No topo do
morro, a revelação. A imagem
da jovem moradora do barraco
duplica-se em fusões.
O tempo dilatado da câmera
acentua o gesto da textura que
impregna a parede. Suporte, a
madeira do barraco parece
uma tela de quadro. Marcas e
gotas da enunciação congelam
no olhar. Sobra uma poça de
tinta no chão.
Ao contrário da subida (decupada em múltiplos planos e
ângulos), a descida é suscinta:
pés nos degraus, o pintor se
afasta em imagem geral e anda
com a favela ao fundo.
Uma zoom enviesada na fachada do hotel introduz o pintor na porta do Copacabana
Palace. Schifano acena para a
câmera, satisfeito com a missão cumprida no barraco
branco da favela, e entra no seu
luxuoso hotel branco.
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