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São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2003

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CINEMA

"O HOMEM SEM PASSADO"

Produção concorre ao Oscar de filme estrangeiro

Cinema fica em primeiro plano em melodrama de Kaurismäki

Divulgação
Aki Kaurismäki, diretor de "O Homem sem Passado", sobre um homem acometido por amnésia que vai morar no subúrbio de Helsinque


TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Uma moça do Exército da Salvação (como não lembrar do papel de Jean Simmons em "Guys and Dolls", o único musical de Mankiewicz?) e um homem desmemoriado, personagem clássico por excelência: este "O Homem sem Passado" -que concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro- é, como todo filme de Aki Kaurismäki, uma espécie de melodrama social hollywoodiano filmado por um cineasta moderno e antimelodramático, como se Robert Bresson dirigisse um filme de Douglas Sirk.
Kaurismäki não é um "homem sem passado": ele traz consigo toda a história do cinema. Mais do que cinéfilo, é um "cinefilho", mais do que um autor pós-moderno, um pós-autor moderno.
Na sua "trilogia proletária", afirmando-se como o mais aplicado discípulo de Bresson, com seu estilo álgido-minimalista, em que a economia surgia tanto como virtude estética quanto como moral, Kaurismäki deu novo sentido ao automatismo bressoniano.
Os personagens de Kaurismäki eram autômatos, desumanizados pelo trabalho. Em sua trilogia ("Sombras no Paraíso", "Ariel" e "A Garota da Fábrica de Fósforos"), o proletariado não surgia como instância coletiva, mas representado por indivíduos que, de tão alienados pelo trabalho, pareciam despossuídos de si mesmos, proletarizados no espírito.
Os filmes e os autômatos proletários de Kaurismäki, lacônicos como eles só, eram também a prova de que já não cabia nenhum discurso ao cinema social. Seus heróis são afetados tanto pelas intempéries sociais quanto pelo amor, mas o cineasta, averso a emoções baratas, só filma esses eventos para dissecá-los. Kaurismäki preferia chamar seus filmes proletários de "trilogia dos vencidos". Quando seus personagens deixaram de ser operários, tornaram-se sub e desempregados, biscateiros, boêmios e, agora, sem-teto. O curioso é que o processo de progressiva depauperação dos personagens não veio acompanhado pelo desencanto do autor. Após terminar sua trilogia, no auge da amargura, ele passou a redescobrir, em filmes primorosos como "La Vie de Bohème" e este "O Homem", o encanto próprio da vida simples e solidária -a solidão já não era a condição dos vencidos. Mesmo esse encanto, em Kaurismäki, tem sua origem cinefílica: não é mais do que uma remanência de certo ideal popular próprio do cinema clássico dos anos 30, seja o de Capra, seja o de Renoir. Afinal, o cinema e sua história estão sempre em primeiro plano nos filmes de Kaurismäki.


O Homem sem Passado
Mies vailla Menneisyyttä
    
Direção: Aki Kaurismäki Produção: Finlândia/França/Alemanha, 2002
Com: Markku Peltola e Kati Outinen
Quando: a partir de hoje nos cines Espaço Unibanco 2, Frei Caneca Unibanco Arteplex 5, Jardim Sul 10



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