São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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CRÍTICA

TV perpetua visão conservadora da mulher

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Na véspera do Dia Internacional da Mulher, não é ocioso pensar em como persistem imagens femininas tradicionais na TV. Apesar de a TV brasileira ter, em determinados momentos, acolhido representações da mulher mais afinadas com as conquistas femininas, tanto a programação quanto a publicidade ainda se mostram bastante conservadoras.
Pense-se em como a manipulação contemporânea do corpo feminino, tanto no sentido diretamente cirúrgico quanto no sentido da imposição de um padrão, tem na TV sua vitrine mais privilegiada. No início de uma novela, a diversão é descobrir qual das atrizes fez que tipo de intervenção -pôs peito, tirou barriga, enxertou veneno paralisante etc.
Daqui a coisa de uma semana, a Record estréia uma novela cujo tema central são as cirurgias plásticas -a emissora promete exibir uma ao vivo, em tempo real. "Metamorphoses" (atenção, a grafia é essa mesmo, com esse pê-agá cafona) ainda não disse a que veio, mas, a princípio, a idéia de assistir a uma operação na TV parece grotesca. That's entertainment, agora.
E não é só o corpo feminino que é normatizado, esquadrinhado e julgado a todo instante. Uma jornada diária pela programação revela quanto chão as mulheres -e as meninas- ainda têm pela frente para derrubar os preconceitos. De manhã, os programas são "femininos", o que significa girar em torno de assuntos que remetem às atividades ou interesses que se imaginam das mulheres: artesanato, culinária, saúde e intercalar essa pauta palpitante com muito anúncio de produtos para o lar e remédio ou de aparelhos milagrosos para emagrecer etc. Mais tarde, entram os programas para crianças em que se ensinam as meninas a serem meigas, burras e gostosas como suas apresentadoras e os meninos a desejarem essas mesmas mulheres saltitantes, alegres -e estúpidas.
Às tardes, é hora de invejar. Os programas dedicados às fofocas do tal do mundo das celebridades ensinam e fomentam a inveja -o que é natural, dado que não apenas glamuriza, como trata com uma realidade que deve ser levada a sério um mundo povoado por mulheres mais magras, mais jovens, mais ricas e casadas com ou namoradas de homens mais jovens, mais ricos e mais magros do que os que a maioria das mulheres têm em casa.
E, de noite, vêm as novelas. Na ficção, melhora um pouco, mas só um pouco e não por muito tempo. Se, por um lado, há personagens modernas, independentes, fortes, bem-sucedidas, em boa parte da trama quem leva a melhor são as moças pérfidas e ambiciosas, que enrolam os belos rapazes com falsas gravidezes, mentiras, estratagemas mirabolantes etc., como bem observou Esther Hamburger em crítica na Folha sobre "Da Cor do Pecado", em 28 de janeiro.
As meninas do Brasil mereciam coisa melhor.

E-mail: biabramo.tv@uol.com.br

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