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Após 33 anos de Globo, Lauro César Muniz ganha mais que o dobro na rival para criar "Cidadão Brasileiro"
Record será império, diz autor
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Os cofres da TV da Igreja Universal estão abertos para a guerra
contra a Globo. A estréia de "Cidadão Brasileiro", na próxima segunda, prova que as armas da Record não são mais de brinquedo.
O criador da primeira novela
das oito da nova fase da emissora
é Lauro César Muniz, 68, de "O
Salvador da Pátria", "Roda de Fogo" e outros sucessos. Novelista do primeiro time
da Globo, ele recebia um dos
maiores salários da TV brasileira.
A Record lhe ofereceu mais. Precisamente, duas vezes e meia o
que ganhava, além de acréscimo a
cada cinco pontos de audiência
que "Cidadão Brasileiro" marcar.
Se a novela chegasse a 30,1 pontos, Muniz receberia R$ 1 milhão.
Se batesse 35 pontos, R$ 1,5 milhão. É um ibope praticamente
impossível, mas as cifras dão idéia
de que dinheiro não é problema.
"Cidadão Brasileiro", de época,
mistura três bem-sucedidas obras
de Muniz dos anos 70, duas da
Globo ("Escalada" e "O Casarão")
e uma da Record ("Quarenta
Anos Depois"). Com elenco de
ex-globais -Lucélia Santos, Paloma Duarte, Gabriel Braga Nunes e outros-, tem orçamento
digno de novela da Globo: R$ 300
mil por capítulo, em média.
Nesta entrevista exclusiva à Folha, o novelista conta por que saiu
magoado da Globo, onde trabalhou por 33 anos, diz que "o monopólio da emissora é perigoso" e
ainda critica o presidente Lula e o
governador Geraldo Alckmin.
Ex-membro do Partido Comunista, o contratado do bispo Edir
Macedo diz não acreditar em
Deus e fala que as religiões servem
para promover guerras.
Folha - Que diferença há entre a
Record de 70, quando fez "As Pupilas do Senhor Reitor", e a de agora?
Lauro César Muniz - Tudo era
mais doméstico, intimista, dialogava-se facilmente com a direção,
e as coisas se resolviam na amizade. Hoje, isso é impossível. Não há
aquele calor humano, é um processo natural do crescimento.
Folha - Mas ainda tem, como diz,
mais calor humano do que a Globo?
Muniz - É mais afetiva do que a
Globo que deixei, mas logo não
será, porque a Record está crescendo rapidamente. Estou há um
ano na emissora e já sinto diferença. O acesso ao comando era mais
fácil. Não é negligência. É que eles
estão atarefadíssimos na construção de um império. Isso vai virar
um império de comunicação
muito em breve. Quando cheguei
à Globo, há 33 anos, as relações
eram mais fáceis. Com o desenvolvimento, e principalmente
após a saída do Boni [do comando, em 97], virou uma empresa de
difícil diálogo, e me senti isolado.
Folha - O que "Cidadão Brasileiro" terá do Brasil de hoje?
Muniz - O Brasil de hoje ficará
presente em "Cidadão Brasileiro", mesmo a ação estando no
passado. A crise de corrupção que
o país vive ficará muito bem retratada em Guará de 1956.
Folha - Por que usar novelas dos
anos 70 para criar "Cidadão"?
Muniz - Estou tentando resgatar
aquela maneira de fazer novela.
Foi naquela época que implementamos a novela verdadeiramente
brasileira, com autores excelentes
como Dias Gomes, Janete Clair,
Bráulio Pedroso. Era uma busca
da realidade brasileira, da preocupação com personagens vinculados a um background social. A
partir da década de 90, a telenovela se desviou para uma visão muito mais mercadológica. É preciso
faturar, o sucesso é fazer o que o
mercado aceita. Foi conseqüência
das modificações sociais, da queda do império soviético.
Folha - A Record não deveria ser a
sua chance de renovar as novelas?
Muniz -Não vou fazer uma novela igual às da década de 70, mas
apenas ter a mesma preocupação
de inserir o personagem num universo político-social e não me ater
apenas às peripécias que possam
prender o telespectador. Os autores realmente se fecharam para
qualquer possibilidade inovadora. Estão contando a mesma história e um copiando o outro. Eu
também, de certa forma, estou
um pouco acomodado trilhando
um caminho que já trilhei. Mas
agora na Record é preciso correr o
mínimo de riscos, porque estamos implementando uma emissora que tem que dar certo para
enfrentar o monopólio da Globo.
Folha - O sr. disse que o governo
pressionou a Globo para que Sassá
Mutema, de "Salvador da Pátria"
(89), fosse modificado, já que estaria promovendo a imagem de Lula.
E, cá entre nós, havia mesmo uma
inspiração no candidato, não?
Muniz - Tinha um pouco sim. Eu
me sentia sob pressão. Até algumas pessoas do PT, que não tiveram paciência de esperar a virada
de Sassá, reclamaram que ele era
manipulado e achavam que eu era
a favor do Collor. Mas Sassá ia se
emancipar no processo. Eu não
estava fazendo propaganda do
Lula, mas tentando analisar a tomada de consciência de um homem do povo. Nem votei nele no
primeiro turno, mas no Covas.
Votei no Lula só no segundo.
Folha - O sr. não era ligado ao PT?
Muniz - Nunca fui. Sou de esquerda [risos]. Meu último partido foi o Comunista, que deixei em
68, com o AI-5 [ato institucional
nš 5, que endureceu a ditadura
militar]. E aí passamos a ver a novela como uma arma para subliminarmente informar a população sobre o que acontecia no país.
Folha - Como seria o Sassá hoje?
Muniz - Não sei se daria para fazer o Sassá hoje. Acho que ele teria
um final trágico, e não um apoteótico como o da trama de 89. E a
novela se chamaria "O Traidor da
Pátria" [risos]. Estou preocupado, foi uma grande decepção,
apesar de também não ter votado
no Lula em 2002. Votei no Serra. E
eu não votei errado, não [risos].
Folha - O sr. é ligado ao PSDB?
Muniz - Não é questão partidária, mas de analisar o momento e
buscar alguém com uma visão de
mundo mais próxima à minha. E
me parecia que Serra era mais indicado, embora o PSDB viesse de
um segundo mandato bastante
comprometido de FHC. Serra
tem uma clareza que Lula nunca
pareceu ter, até por problemas de
escolaridade. A falta de escolaridade impede a pessoa de entrar
em contato com a lógica. Quando
você faz um curso superior, ela está em todas as disciplinas. Quem
não faz é carente dessa lógica.
Folha - Então o sr. acha que Serra
é mais de esquerda do que Lula?
Muniz - Acho. Ele está mais aparelhado para analisar as necessidades do Brasil. O Lula não está.
Folha - Serra está mais aparelhado do que Geraldo Alckmin?
Muniz - Ah, bem mais. Acho o
Alckmin um chato, um pirulito,
não, um picolé de Chuchu. Ele está atrapalhando o processo.
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