São Paulo, quarta-feira, 07 de março de 2007

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Morre o sociólogo francês Baudrillard

Um dos principais críticos da sociedade de consumo, o pensador nascido em Reims tinha 77 anos e vivia em Paris

Autor de "A Sociedade de Consumo" e "O Sistema dos Objetos", acadêmico via Guerra do Iraque como um "não-acontecimento"

LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

O sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard morreu ontem, em sua casa, em Paris, aos 77 anos, depois de uma "longa doença" -essa expressão é comumente usada pela imprensa da França para se referir ao câncer.
Conhecido mundialmente por sua abordagem ácida da mídia e da sociedade de consumo -cuja insignificância ele denunciava, ao mesmo tempo em que profetizava seu declínio-, Baudrillard foi um intelectual intempestivo e autor de cerca de 50 livros, além de fotógrafo renomado. Ora tachado de reacionário moralista, ora de niilista, ele se considerava um resistente e criticava a suposta covardia intelectual de seus contemporâneos.
Nascido em Reims, em 20 de julho de 1929, numa família de origem camponesa, Baudrillard era germanista e tradutor de Marx e Brecht. Em 1968, lançou seu primeiro livro de sociologia, "O Sistema dos Objetos", sucedido por "A Sociedade de Consumo", em 1970. Três anos depois, ao assinar "O Espelho da Produção", rompeu com o marxismo.
A partir daí, tornou difícil o trabalho daqueles que buscavam associá-lo a quaisquer ideologias. Baudrillard se via como um franco-atirador, que desagrava a direita e a esquerda. Esta última, aliás, o encarava com ressalvas desde que revalorizara o pensamento do filósofo conservador Joseph de Maistre no livro "A Transparência do Mal", de 1990.
Em 1986, ao regressar dos Estados Unidos e escrever "América", já levantara "suspeitas" por trechos como: "Os Estados Unidos são a versão original da modernidade, nós somos a versão dublada e com legendas. Os Estados Unidos são a utopia realizada".
Tido como um dos principais teóricos do pós-modernismo, ele voltou seu alvo para a crítica do pensamento científico tradicional e desenvolveu seus estudos a partir do conceito de virtualidade do mundo aparente, lançando o termo "desaparecimento da realidade".

11 de Setembro
Quando os terroristas atacaram o World Trade Center, em 2001, Baudrillard fez conferências e escreveu artigos sobre o tema. Em 2003, durante uma de suas passagens pelo Brasil, disse à Folha que "a guerra [do Iraque] é o não-acontecimento, algo que foi feito para eliminar o primeiro [os atentados]". À época, descreveu o terrorismo como "agente e metáfora da desintegração interna de uma superpotência mundial sem inimigos visíveis no front de combate".
O filósofo que começou sua carreira como professor de sociologia da Universidade de Nanterre se anunciava provocador desde os primeiros ensaios: "O que escreverei terá cada vez menos chance de ser compreendido. Mas isso é meu problema. Estou numa lógica de desafio".
Segundo ele, o terrorismo também seguia a sua própria lógica. Em fevereiro de 2003, ao discutir a iminente "guerra ao terror" comandada pelos EUA, em um encontro com o também filósofo Jacques Derrida, em Paris, ele observou: "A guerra acontecer ou não é um detalhe, já que ela é um acontecimento fantoche que só existe como efeito de substituição. Os americanos substituíram Bin Laden por um objetivo fantoche. Bin Laden não morreu, desapareceu", afirmou.
"Ao contrário do 11 de Setembro, a guerra contra o Iraque foi de tal forma pensada e discutida que, quando ela acontecer, não haverá mais a necessidade de acontecer", concluiu.
A última obra publicada por Baudrillard foi "Cool Memories 5", quinto volume de suas memórias. O livro saiu em 2005, encerrando a série iniciada em 1987.


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