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Morre o sociólogo francês Baudrillard
Um dos principais críticos da sociedade de consumo, o pensador nascido em Reims tinha 77 anos e vivia em Paris
Autor de "A Sociedade de Consumo" e "O Sistema dos Objetos", acadêmico via Guerra do Iraque como um "não-acontecimento"
LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
O sociólogo e filósofo francês
Jean Baudrillard morreu ontem, em sua casa, em Paris, aos
77 anos, depois de uma "longa
doença" -essa expressão é comumente usada pela imprensa
da França para se referir ao
câncer.
Conhecido mundialmente
por sua abordagem ácida da mídia e da sociedade de consumo
-cuja insignificância ele denunciava, ao mesmo tempo em
que profetizava seu declínio-,
Baudrillard foi um intelectual
intempestivo e autor de cerca
de 50 livros, além de fotógrafo
renomado. Ora tachado de reacionário moralista, ora de niilista, ele se considerava um resistente e criticava a suposta
covardia intelectual de seus
contemporâneos.
Nascido em Reims, em 20 de
julho de 1929, numa família de
origem camponesa, Baudrillard era germanista e tradutor
de Marx e Brecht. Em 1968,
lançou seu primeiro livro de sociologia, "O Sistema dos Objetos", sucedido por "A Sociedade
de Consumo", em 1970. Três
anos depois, ao assinar "O Espelho da Produção", rompeu
com o marxismo.
A partir daí, tornou difícil o
trabalho daqueles que buscavam associá-lo a quaisquer
ideologias. Baudrillard se via
como um franco-atirador, que
desagrava a direita e a esquerda. Esta última, aliás, o encarava com ressalvas desde que revalorizara o pensamento do filósofo conservador Joseph de
Maistre no livro "A Transparência do Mal", de 1990.
Em 1986, ao regressar dos
Estados Unidos e escrever
"América", já levantara "suspeitas" por trechos como: "Os
Estados Unidos são a versão
original da modernidade, nós
somos a versão dublada e com
legendas. Os Estados Unidos
são a utopia realizada".
Tido como um dos principais
teóricos do pós-modernismo,
ele voltou seu alvo para a crítica
do pensamento científico tradicional e desenvolveu seus estudos a partir do conceito de
virtualidade do mundo aparente, lançando o termo "desaparecimento da realidade".
11 de Setembro
Quando os terroristas atacaram o World Trade Center, em
2001, Baudrillard fez conferências e escreveu artigos sobre o
tema. Em 2003, durante uma
de suas passagens pelo Brasil,
disse à Folha que "a guerra [do
Iraque] é o não-acontecimento, algo que foi feito para eliminar o primeiro [os atentados]".
À época, descreveu o terrorismo como "agente e metáfora
da desintegração interna de
uma superpotência mundial
sem inimigos visíveis no front
de combate".
O filósofo que começou sua
carreira como professor de sociologia da Universidade de
Nanterre se anunciava provocador desde os primeiros ensaios: "O que escreverei terá
cada vez menos chance de ser
compreendido. Mas isso é meu
problema. Estou numa lógica
de desafio".
Segundo ele, o terrorismo
também seguia a sua própria
lógica. Em fevereiro de 2003,
ao discutir a iminente "guerra
ao terror" comandada pelos
EUA, em um encontro com o
também filósofo Jacques Derrida, em Paris, ele observou: "A
guerra acontecer ou não é um
detalhe, já que ela é um acontecimento fantoche que só existe
como efeito de substituição. Os
americanos substituíram Bin
Laden por um objetivo fantoche. Bin Laden não morreu, desapareceu", afirmou.
"Ao contrário do 11 de Setembro, a guerra contra o Iraque foi de tal forma pensada e
discutida que, quando ela acontecer, não haverá mais a necessidade de acontecer", concluiu.
A última obra publicada por
Baudrillard foi "Cool Memories 5", quinto volume de suas
memórias. O livro saiu em
2005, encerrando a série iniciada em 1987.
Leia mais sobre Baudrillard
no caderno Mais! deste domingo
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