São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2008

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Cinema

Baixou "Spielberg" no novo filme de Coutinho

Com duas equipes, cineasta registra em alta definição laboratório do Galpão em BH

Documentário "mais caro" que já fez acompanha três semanas de preparação de "As Três Irmãs", texto que o diretor propôs ao grupo

LUCAS NEVES
EM BELO HORIZONTE

Steven Spielberg está entre nós. Mais especificamente, no palco e nas coxias do Galpão Cine Horto, QG do Grupo Galpão, em Belo Horizonte. Quem explica melhor é o cineasta Eduardo Coutinho, 74, que, há três semanas, filma ali o documentário "Antes da Estréia" (nome provisório), registro das leituras, ensaios e bastidores da companhia a partir de um texto dado por ele, "As Três Irmãs", de Tchecov:
"Como eu fiz um filme em que só aparecia a platéia durante uma hora e quarenta ["Jogo de Cena", de 2007], este agora é Spielberg: duas equipes filmando em HD [alta definição] oito horas por dia, dois assistentes de direção, dois técnicos de som e locações extraordinárias: escada, camarim, palco". Embora não saiba precisar o valor, Coutinho assegura: "É o filme mais caro que já fiz".
No domingo em que a reportagem visita o Cine Horto, Coutinho prefere conversar no hall de entrada, fora do set -dias depois, o fotógrafo conseguiria "furar" o bloqueio e dar uma espiada. Antes de beliscar o lanche trazido pela produção (uma banana, minicachorros-quentes, um pedaço de bolo, café e Coca), ele conta por que escolheu o clássico russo: "Adoro o texto; vi pela primeira vez há 50 anos e ficou na minha cabeça. Foi idéia fixa".
Segundo Coutinho, o Galpão embarcou no projeto por conta da celebração de seus 25 anos (em 2007) e por abrigar um espaço maleável em sua sede. "Aqui, era possível remover a platéia, criando um ambiente estranho, que é um pouco palco, um pouco galpão, com escadas, labirintos. Para o que eu queria fazer, era essencial."

"O risco é bom"
Mas o que é, então, que ele queria fazer? "O material [filmado] lhe ensina o filme que você fez, sobretudo neste caso, em que não estou checando o que rodei; é uma filmagem às cegas. Mas é assim: o risco é que é bom", afirma o diretor.
O que ele sabe, por enquanto, é como abrirá o filme. "Começa com uma mesa vazia. Chegamos eu e o Kike [Enrique Diaz, convidado para dirigir o grupo]. O texto é posto sobre a mesa, os atores entram, descobrem-no, e eu explico porque o escolhi."
De resto, emenda o cineasta, "a gente discute coisas, fala bobagem, coisa intelectual e prática, entra no camarim para ver a combinação da cena, pega o comentário sobre a vida pessoal na hora do cafezinho".
"Para resumir: estou mais interessado no processo do que no produto. Como se constrói um espetáculo em condições difíceis e tensas de tempo [três semanas]? Não é didático, para ensinar. Por isso, não vai ser na ordem [1º dia, 2º dia...], pode ter uma fala que se repita três vezes... É para que as pessoas se emocionem vendo o filme, independentemente de gostarem de teatro", define Coutinho.
O ator e diretor Enrique Diaz, 40, chamado para coordenar os exercícios e propor experimentos aos 13 integrantes do Galpão, faz coro sobre a ênfase no processo. "Não é um "façam um espetáculo em três semanas". Seria uma coisa alucinada, muito pragmática, viraria um concurso. Até fiz uma estrutura de primeiro e segundo ato, com uma "metida de mão" no terceiro, mas não estou preocupado com o que vamos mostrar no fim [as filmagens terminam neste domingo]."

Fragmentos de Tchecov
E realmente não era nada pronto, acabado o que Coutinho buscava. "O teatro são fragmentos de vida, entende? Não neo-realistas; altamente formais, criados, mas ainda assim fragmentos. E esse processo fragmentário é essencial para mim. Não quero mostrar duas horas e meia de Tchecov no final. Se fosse para fazer isso, seria mais fácil com um texto menor, mais simples e com mais ação. Mas a dificuldade é que vale a pena."
Se a tal "política de navio cego" (filmar sem conferir o que já foi captado) levar o filme a pique, o cineasta terá ao menos um consolo: "Ninguém filma ensaio, é a tradição desde o século 17. Os ensaios são de uso interno. Isso [filmar todo o processo] eu não vi, o que já me deixa contente".


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