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Cinema
Baixou "Spielberg" no novo filme de Coutinho
Com duas equipes, cineasta registra em alta definição laboratório do Galpão em BH
Documentário "mais caro" que já fez acompanha três semanas de preparação de "As Três Irmãs", texto que
o diretor propôs ao grupo
LUCAS NEVES
EM BELO HORIZONTE
Steven Spielberg está entre
nós. Mais especificamente, no
palco e nas coxias do Galpão Cine Horto, QG do Grupo Galpão,
em Belo Horizonte. Quem explica melhor é o cineasta
Eduardo Coutinho, 74, que, há
três semanas, filma ali o documentário "Antes da Estréia"
(nome provisório), registro das
leituras, ensaios e bastidores da
companhia a partir de um texto
dado por ele, "As Três Irmãs",
de Tchecov:
"Como eu fiz um filme em
que só aparecia a platéia durante uma hora e quarenta ["Jogo
de Cena", de 2007], este agora é
Spielberg: duas equipes filmando em HD [alta definição] oito
horas por dia, dois assistentes
de direção, dois técnicos de
som e locações extraordinárias:
escada, camarim, palco". Embora não saiba precisar o valor,
Coutinho assegura: "É o filme
mais caro que já fiz".
No domingo em que a reportagem visita o Cine Horto, Coutinho prefere conversar no hall
de entrada, fora do set -dias
depois, o fotógrafo conseguiria
"furar" o bloqueio e dar uma espiada. Antes de beliscar o lanche trazido pela produção (uma
banana, minicachorros-quentes, um pedaço de bolo, café e
Coca), ele conta por que escolheu o clássico russo: "Adoro o
texto; vi pela primeira vez há 50
anos e ficou na minha cabeça.
Foi idéia fixa".
Segundo Coutinho, o Galpão
embarcou no projeto por conta
da celebração de seus 25 anos
(em 2007) e por abrigar um espaço maleável em sua sede.
"Aqui, era possível remover a
platéia, criando um ambiente
estranho, que é um pouco palco, um pouco galpão, com escadas, labirintos. Para o que eu
queria fazer, era essencial."
"O risco é bom"
Mas o que é, então, que ele
queria fazer? "O material [filmado] lhe ensina o filme que
você fez, sobretudo neste caso,
em que não estou checando o
que rodei; é uma filmagem às
cegas. Mas é assim: o risco é que
é bom", afirma o diretor.
O que ele sabe, por enquanto,
é como abrirá o filme. "Começa
com uma mesa vazia. Chegamos eu e o Kike [Enrique Diaz,
convidado para dirigir o grupo].
O texto é posto sobre a mesa, os
atores entram, descobrem-no,
e eu explico porque o escolhi."
De resto, emenda o cineasta,
"a gente discute coisas, fala bobagem, coisa intelectual e prática, entra no camarim para ver
a combinação da cena, pega o
comentário sobre a vida pessoal na hora do cafezinho".
"Para resumir: estou mais interessado no processo do que
no produto. Como se constrói
um espetáculo em condições
difíceis e tensas de tempo [três
semanas]? Não é didático, para
ensinar. Por isso, não vai ser na
ordem [1º dia, 2º dia...], pode ter
uma fala que se repita três vezes... É para que as pessoas se
emocionem vendo o filme, independentemente de gostarem
de teatro", define Coutinho.
O ator e diretor Enrique
Diaz, 40, chamado para coordenar os exercícios e propor experimentos aos 13 integrantes do
Galpão, faz coro sobre a ênfase
no processo. "Não é um "façam
um espetáculo em três semanas". Seria uma coisa alucinada,
muito pragmática, viraria um
concurso. Até fiz uma estrutura
de primeiro e segundo ato, com
uma "metida de mão" no terceiro, mas não estou preocupado
com o que vamos mostrar no
fim [as filmagens terminam
neste domingo]."
Fragmentos de Tchecov
E realmente não era nada
pronto, acabado o que Coutinho buscava. "O teatro são fragmentos de vida, entende? Não
neo-realistas; altamente formais, criados, mas ainda assim
fragmentos. E esse processo
fragmentário é essencial para
mim. Não quero mostrar duas
horas e meia de Tchecov no final. Se fosse para fazer isso, seria mais fácil com um texto menor, mais simples e com mais
ação. Mas a dificuldade é que
vale a pena."
Se a tal "política de navio cego" (filmar sem conferir o que
já foi captado) levar o filme a pique, o cineasta terá ao menos
um consolo: "Ninguém filma
ensaio, é a tradição desde o século 17. Os ensaios são de uso
interno. Isso [filmar todo o processo] eu não vi, o que já me
deixa contente".
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