São Paulo, sábado, 07 de março de 2009

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LIVROS

Crítica/"La Forteresse"

Sai na França roteiro que previa papel para Antonioni

Texto escrito por Robbe-Grillet, que se concentra em diálogos, é boa leitura

ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

A história do cinema é também um vasto cemitério de obras abortadas, sobretudo por dificuldades financeiras e de produção. Nunca assistiremos à versão cinematográfica que Eisenstein sonhou realizar de "O Capital", de Marx, nem a adaptação de "Em Busca do Tempo Perdido" pretendida por Luchino Visconti. E não veremos jamais o filme que o escritor e diretor Alain Robbe-Grillet (1922-2008) planejou durante anos para ter como intérprete principal o cineasta Michelangelo Antonioni (1912-2007).
Não veremos, mas podemos ao menos ler o roteiro de Robbe-Grillet, "La Forteresse - Scénario pour Michelangelo Antonioni" (a fortaleza - roteiro para Michelangelo Antonioni), publicado na França há poucas semanas. Ler roteiros costuma ser uma coisa maçante, mas não neste caso. O escritor dispensa quase toda indicação técnica e se concentra na história e no diálogo. Uma vez iniciada a leitura, não paramos mais, pois é um intrigante suspense, feito de movimentos labirínticos, de jogos de espelho e personagens enigmáticos e perversos.
Além do roteiro, que Robbe-Grillet ainda pretendia aprimorar, o livro traz duas sinopses feitas pelo escritor para "vender" o filme aos produtores e o seu belo prefácio ao catálogo de uma exposição de desenhos de Antonioni, de 1970.
Romantismo gótico
Os dois se conheceram em 1961, quando Antonioni foi convidado para uma sessão privada de "O Ano Passado em Marienbad", o filme de Alain Resnais escrito por Robbe-Grillet. A ideia de realizar "A Fortaleza" só veio a luz em 1992, sete anos após o AVC que deixou o cineasta italiano semiparalítico e sem fala. Assim, a questão da mudez ocupa o centro da história, cujo personagem destinado a Antonioni seria o de um velho oficial altivo, Marcus, que perdeu a fala depois de uma batalha.
Mudo e alquebrado, ele vive numa fortaleza antiga, à beira do oceano, cercado de um grupo de soldados que aguardam a chegada de não se sabe quem. Na fortaleza, vivem ainda um médico sinistro, um capitão autoritário e uma enfermeira, idêntica à filha do velho Marcus, morta anos antes. O passado amarra uns aos outros, e todos parecem encarcerados num inefável mistério, do qual o incesto é só uma das chaves.
Durante quase uma década, o escritor francês tentou produzir o filme, que ele previa fazer com toques expressionistas, uma ambientação próxima do "romantismo gótico" e certa atmosfera anacrônica. As dificuldades se avolumaram, e tanto Robbe-Grillet quanto Antonioni partiram para outros projetos. Foi uma pena. "A Fortaleza" teria sido com certeza um dos mais extraordinários e estranhos encontros promovidos pelo cinema.


LA FORTERESSE
Autor: Alain Robbe-Grillet
Editora: Les Éditions de Minuit (importado)
Quanto: 13 euros (cerca de R$ 39, mais taxas, na Amazon.fr; 118 págs.)
Avaliação: ótimo



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