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LIVROS
Crítica/"La Forteresse"
Sai na França roteiro que previa papel para Antonioni
Texto escrito por Robbe-Grillet, que se concentra em diálogos, é boa leitura
ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A PARIS
A história do cinema é
também um vasto cemitério de obras abortadas, sobretudo por dificuldades financeiras e de produção.
Nunca assistiremos à versão
cinematográfica que Eisenstein sonhou realizar de "O Capital", de Marx, nem a adaptação de "Em Busca do Tempo
Perdido" pretendida por Luchino Visconti. E não veremos
jamais o filme que o escritor e
diretor Alain Robbe-Grillet
(1922-2008) planejou durante
anos para ter como intérprete
principal o cineasta Michelangelo Antonioni (1912-2007).
Não veremos, mas podemos
ao menos ler o roteiro de Robbe-Grillet, "La Forteresse - Scénario pour Michelangelo Antonioni" (a fortaleza - roteiro para Michelangelo Antonioni),
publicado na França há poucas
semanas.
Ler roteiros costuma ser
uma coisa maçante, mas não
neste caso. O escritor dispensa
quase toda indicação técnica e
se concentra na história e no
diálogo. Uma vez iniciada a leitura, não paramos mais, pois é
um intrigante suspense, feito
de movimentos labirínticos, de
jogos de espelho e personagens
enigmáticos e perversos.
Além do roteiro, que Robbe-Grillet ainda pretendia aprimorar, o livro traz duas sinopses
feitas pelo escritor para "vender" o filme aos produtores e o
seu belo prefácio ao catálogo de
uma exposição de desenhos de
Antonioni, de 1970.
Romantismo gótico
Os dois se conheceram em
1961, quando Antonioni foi
convidado para uma sessão privada de "O Ano Passado em
Marienbad", o filme de Alain
Resnais escrito por Robbe-Grillet. A ideia de realizar "A Fortaleza" só veio a luz em 1992,
sete anos após o AVC que deixou o cineasta italiano semiparalítico e sem fala.
Assim, a questão da mudez
ocupa o centro da história, cujo
personagem destinado a Antonioni seria o de um velho oficial
altivo, Marcus, que perdeu a fala depois de uma batalha.
Mudo e alquebrado, ele vive
numa fortaleza antiga, à beira
do oceano, cercado de um grupo de soldados que aguardam a
chegada de não se sabe quem.
Na fortaleza, vivem ainda um
médico sinistro, um capitão autoritário e uma enfermeira,
idêntica à filha do velho Marcus, morta anos antes. O passado amarra uns aos outros, e todos parecem encarcerados
num inefável mistério, do qual
o incesto é só uma das chaves.
Durante quase uma década, o
escritor francês tentou produzir o filme, que ele previa fazer
com toques expressionistas,
uma ambientação próxima do
"romantismo gótico" e certa atmosfera anacrônica. As dificuldades se avolumaram, e tanto
Robbe-Grillet quanto Antonioni partiram para outros projetos. Foi uma pena. "A Fortaleza" teria sido com certeza um
dos mais extraordinários e estranhos encontros promovidos
pelo cinema.
LA FORTERESSE
Autor: Alain Robbe-Grillet
Editora: Les Éditions de Minuit (importado)
Quanto: 13 euros (cerca de R$ 39, mais
taxas, na Amazon.fr; 118 págs.)
Avaliação: ótimo
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