São Paulo, sábado, 07 de março de 2009

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Crítica/erudito/Osesp

Em concerto de estreia, maestro foi direto ao coração

Yan Pascal Tortelier exibe empatia com os músicos, em programa que teve Hino Nacional, Elgar e Rachmaninov

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

A orquestra está com ele. Nem poderia ser de outro modo, já que os próprios músicos indicaram o nome do regente Yan Pascal Tortelier para assumir interinamente o lugar de John Neschling, demitido pelo Conselho da Fundação Osesp em janeiro. Mas isso em si não explica o grau de empenho da orquestra, da primeira à última nota do concerto de abertura da temporada, anteontem, na Sala São Paulo.
Empatia existe ou não existe. Música é o resultado de muitas coisas, algumas mais misteriosas do que outras.
Essa ligação de músico para músico figura entre as principais na cozinha metafísica de sons e afetos, cujo efeito qualquer plateia percebe. E a plateia percebeu: ovacionou maestro e orquestra já no final da primeira parte; e saiu contente para o intervalo, brindar à vida.

Três cenas
Três pequenas cenas resumem o enredo. Cena 1: a entrada de Tortelier, sério e compenetrado, para reger o Hino Nacional, como de praxe no primeiro concerto do ano. Sem falas, sem drama, um músico de alto nível fazendo seu trabalho.
Cena 2: um lindo solo do clarinetista Ovanir Buosi, no "Adágio" da "Sinfonia nº 2" de Rachmaninov (1873-1943). Não só o solo, uma pequena maravilha de dinâmicas no limite do possível; mas o rosto da flautista Jessica Dalsant, de costas para Buosi, na cadeira à frente, apreciando a arte do colega: uma sucessão espontânea de pequenas expressões acompanhando a melodia, o tipo de coisa que só acontece quando os músicos estão de bem consigo mesmos e com a música.
Na cena 3, a música já tinha acabado e Tortelier voltava pela segunda vez ao palco para agradecer. Fez sinal para que os músicos levantassem, mas ninguém se mexeu. Sinalizou de novo, mas os músicos insistiam em ficar sentados, batendo palmas e batendo pés. Por fim, o maestro deu um abraço no spalla Emanuele Baldini e subiu ao pódio, para viver sozinho um instante de felicidade.
Foi tudo bonito; tanto mais nas circunstâncias, com a demissão traumática de Nesch-ling ressoando na rua Mauá e 1.001 comentários circulando no meio.
Há muito tempo a Osesp não tocava com tanta gana; violinos e violas, em especial, deram um show. Pelo menos no Rachmaninov. Antes disso, tocaram com evidente brio as "Variações Enigma" de Elgar (1857-1934); mas fica difícil julgar, para quem estava no coro, atrás da orquestra, ouvindo tudo com a perspectiva invertida.
Tortelier regeu o programa inteiro de memória. Mas essas são peças que ele deve reger até dormindo: classicões, mais para o gosto médio da plateia de Manchester, onde ele foi regente titular da Filarmônica da BBC (1992-2003) e segue regendo regularmente, do que para os interesses avançados da audiência da Sala São Paulo, ensinada por Neschling.
Antes do concerto, havia mesmo quem dissesse que uma noite de Elgar e Rachmaninov não parecia a melhor escolha para abrir a temporada da Osesp e que a programação caracteristicamente arrojada da orquestra já corre risco.
Os defensores da mudança respondem que a troca de regente se deu há meros 45 dias e que o mais importante, nesta hora, será garantir a continuidade do projeto.
Um pouco de água na fervura faz bem: cabe lembrar que Tortelier não assumiu o cargo de diretor artístico. Está aqui como regente titular temporário, para tocar o barco, se possível com brilho. Mas um tanto de fogo é vital; e, desse ponto de vista, compreende-se melhor a escolha. Tortelier foi direto ao coração. A curto prazo é sempre o melhor caminho; e a longo prazo também.


Avaliação: ótimo


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