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Crítica/erudito/Osesp
Em concerto de estreia, maestro foi direto ao coração
Yan Pascal Tortelier exibe empatia com os músicos, em programa que teve Hino Nacional, Elgar e Rachmaninov
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A orquestra está com ele.
Nem poderia ser de outro modo, já que os próprios músicos indicaram o nome do regente Yan Pascal Tortelier para assumir interinamente o lugar de John Neschling, demitido pelo Conselho
da Fundação Osesp em janeiro.
Mas isso em si não explica o
grau de empenho da orquestra,
da primeira à última nota do
concerto de abertura da temporada, anteontem, na Sala São
Paulo.
Empatia existe ou não existe.
Música é o resultado de muitas
coisas, algumas mais misteriosas do que outras.
Essa ligação de músico para
músico figura entre as principais na cozinha metafísica de
sons e afetos, cujo efeito qualquer plateia percebe. E a plateia percebeu: ovacionou maestro e orquestra já no final da
primeira parte; e saiu contente
para o intervalo, brindar à vida.
Três cenas
Três pequenas cenas resumem o enredo. Cena 1: a entrada de Tortelier, sério e compenetrado, para reger o Hino Nacional, como de praxe no primeiro concerto do ano. Sem falas, sem drama, um músico de
alto nível fazendo seu trabalho.
Cena 2: um lindo solo do clarinetista Ovanir Buosi, no
"Adágio" da "Sinfonia nº 2" de
Rachmaninov (1873-1943).
Não só o solo, uma pequena
maravilha de dinâmicas no limite do possível; mas o rosto da
flautista Jessica Dalsant, de
costas para Buosi, na cadeira à
frente, apreciando a arte do colega: uma sucessão espontânea
de pequenas expressões acompanhando a melodia, o tipo de
coisa que só acontece quando
os músicos estão de bem consigo mesmos e com a música.
Na cena 3, a música já tinha
acabado e Tortelier voltava pela segunda vez ao palco para
agradecer. Fez sinal para que os
músicos levantassem, mas ninguém se mexeu. Sinalizou de
novo, mas os músicos insistiam
em ficar sentados, batendo palmas e batendo pés. Por fim, o
maestro deu um abraço no spalla Emanuele Baldini e subiu ao
pódio, para viver sozinho um
instante de felicidade.
Foi tudo bonito; tanto mais
nas circunstâncias, com a demissão traumática de Nesch-ling ressoando na rua Mauá e
1.001 comentários circulando
no meio.
Há muito tempo a Osesp não
tocava com tanta gana; violinos
e violas, em especial, deram um
show. Pelo menos no Rachmaninov. Antes disso, tocaram
com evidente brio as "Variações Enigma" de Elgar (1857-1934); mas fica difícil julgar, para quem estava no coro, atrás
da orquestra, ouvindo tudo
com a perspectiva invertida.
Tortelier regeu o programa
inteiro de memória. Mas essas
são peças que ele deve reger até
dormindo: classicões, mais para o gosto médio da plateia de
Manchester, onde ele foi regente titular da Filarmônica da
BBC (1992-2003) e segue regendo regularmente, do que
para os interesses avançados da
audiência da Sala São Paulo,
ensinada por Neschling.
Antes do concerto, havia
mesmo quem dissesse que uma
noite de Elgar e Rachmaninov
não parecia a melhor escolha
para abrir a temporada da
Osesp e que a programação caracteristicamente arrojada da
orquestra já corre risco.
Os defensores da mudança
respondem que a troca de regente se deu há meros 45 dias e
que o mais importante, nesta
hora, será garantir a continuidade do projeto.
Um pouco de água na fervura
faz bem: cabe lembrar que Tortelier não assumiu o cargo de
diretor artístico. Está aqui como regente titular temporário,
para tocar o barco, se possível
com brilho. Mas um tanto de
fogo é vital; e, desse ponto de
vista, compreende-se melhor a
escolha. Tortelier foi direto ao
coração. A curto prazo é sempre o melhor caminho; e a longo prazo também.
Avaliação: ótimo
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