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CARLOS HEITOR CONY
Males e malefícios da democracia
Alguns leitores, e até mesmo um senhor que me abordou na rua, estranham que eu venha declarando, com insistência,
que não acredito e até me recuso
a participar da chamada "democracia representativa", tida como
o pior dos regimes, com a exceção
dos outros. Na velha mania de ignorar o óbvio (a afirmação de
uma coisa não implica a negação
de outra ou vice-versa), perguntam se eu me converti ao totalitarismo, aos regimes fortes em que o
povo não é ouvido nem cheirado.
Duvido de tudo o que penso e
faço, mas, nesta questão, estou fechado, não abro. Se tivesse alguma dúvida a respeito de minha
posição, quando entramos para
valer em mais uma campanha
eleitoral majoritária, teria motivos para derrubar qualquer vacilação sobre o malefício, a inutilidade e a hipocrisia da democracia dita representativa.
Pelo contrário: é justamente
neste momento que fica evidente
a não-representação do povo, do
eleitorado mais precisamente, na
escolha não apenas dos candidatos mas dos programas, se é que se
pode falar em programas dentro
da realidade político-partidária
em que vivemos.
Meia dúzia de sobas, com
apoios explícitos ou disfarçados
da mídia e do empresariado, decidem entre si, em jantares e reuniões catimbadas, quem será o
quê, desde que satisfaça os apetites de poder ou de dinheiro dos
grupos que se ajustam ou se desajustam na hora de engabelar o
eleitorado.
Não se trata de um julgamento
de valor. Em geral, são homens
probos, experimentados na vida
pública, que decidem os rumos da
vida nacional com duas ou três
alternativas de fachada, mas, na
realidade, seja qual for a preponderante, o que vigora nas negociações, alianças, perspectivas disso e daquilo, atende apenas ao interesse de uma cúpula da sociedade. O povo funciona como caudatário de decisões que não tomou,
consolando-se em votar ou não
votar no fulano ou no beltrano
que lhe foram impostos de cima
para baixo.
Outro dia comentei, na página
2, a foto de um jantar em que os
caciques do PSDB começavam a
escolher o candidato do partido.
O eleitorado tucano seria obrigado a absorver, por bem ou por
mal, as decisões daqueles quatro,
que só se tornaram públicas
quando foi escolhido o candidato
que fará o glorioso papel de boi de
piranha para ser devorado pela
avassaladora campanha eleitoral
do presidente -que está em campanha há mais de três anos.
Este sim, apesar do péssimo governo que realizou, apesar das
traições mais acintosas de um político em relação a seu passado,
continua com o grosso do eleitorado a seu favor, o mesmo eleitorado que terá duas opções: submeter-se à cangalha dos caciques
ou votar naquele que considera
não o melhor, mas o mais próximo, mais povo, no que há de folclórico quando se fala ou se pensa
em povo.
Povo que se recusa, em linhas
gerais, a se partidarizar por muitos motivos, sendo o mais importante a não-existência de partidos, substituídos por grupos voláteis de opinião e ação, todos com
cartas marcadas para os diversos
cenários que se formarão até a
data limite para o registro das
candidaturas.
Existem grupos mais ou menos
definidos por um passado que
não garante um futuro. Aliás, para um político profissional, o futuro é a soma de conveniências
que se formarão a cada dia, a cada lance da conjuntura nacional.
Chamam a isso de pragmatismo.
O sujeito assina um documento
garantindo que ficará no cargo
para o qual pretende ser eleito:
haja o que houver ele cumprirá o
mandato até o fim. A mosca nem
precisa ser azul, basta ser mosca e
ele evolui de opinião em nome de
sua capacidade de ser o melhor
seja lá para o que for.
Outro sujeito garante que dará
um cheque em branco para um
eventual aliado e depois se declara traído, apunhalado pelas costas, quando toda a jogada -a do
mensalão, com todas as suas seqüelas- foi feita escancaradamente à sua frente.
Todos esses elementos derrubam, no meu entender, o conceito
e a prática da democracia representativa. Não entendo muito do
assunto, mas acho que uma forma de eliminar ou atenuar essa
aberração política seria o voto setorial ou distrital. Não entendo
como um eleitor do Alto (ou do
baixo) Purus possa avaliar conscientemente a vantagem de votar
num candidato presidencial saído das entranhas do Piantella ou
do Massimo.
O mesmo candidato que será
empurrado pela goela de um eleitor da fronteira com o Uruguai ou
com a Argentina, do interior
baiano, de regiões onde será consumida apenas a campanha em
sua fase de televisão, quando todo
o jogo já estiver plantado no cenário político e econômico da nação.
Não estou insinuando -nem
tenho autoridade para isso- a
abstenção ou o voto nulo. Honestamente, sou integrante único e
bastante do partido que me convém, o do Eu-Sozinho. Não tenho
dado certo, mas os outros partidos também não deram certo.
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