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CRÍTICA
Epopéia nórdica tenta encontrar
a face oculta do homem moderno
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
O início e o fim de "O Meio-Irmão" se passam num tempo presente e num mundo globalizado. Em meio a uma negociação internacional ocorrida durante o festival de cinema de Berlim,
menciona-se um roteiro do protagonista, Barnum Nielsen, chamado "Os Vikings".
Foi idéia do agente dele: "Os
americanos inventaram o "western", filmes do oeste, os japoneses
fizeram os filmes de samurais, filmes do leste, não é mesmo, e os
italianos, o "western" espaguete. O
que sobra para nós então? [...] O
filme do norte, Barnum." E o filme do norte refere-se às velhas sagas escandinavas, à conquista das
terras geladas, a homens fortes,
"que trepam sobre cobertores de
pele a céu aberto e choram a cada
duas cenas". Essa imagem é o
contraponto essencial para entender a epopéia que se desenrola pelas quase 600 páginas.
No lugar da narrativa solar dos
vikings, o autor apresenta sua saga íntima e familiar sobre os "homens noturnos" da família e sobre as mulheres, elas sim os seres
fortes, que os amparam e defendem o lar. A família é um matriarcado, e os homens são falhados ou
desaparecidos, ou pior.
A figura que paira sobre todas
elas é a Velha, ex-atriz dinamarquesa do cinema mudo, cujo
amado morreu nas geleiras da
Groenlândia, e que veio à Noruega com a filha Boletta. Sua neta,
Vera, é estuprada por um desconhecido no dia em que a Europa é
libertada das mãos dos nazistas.
O fruto da concepção maculada
é Fred. Durante toda a vida, Barnum, segundo filho de Vera, procura entender esse seu meio-irmão calado e soturno, que fica desaparecido 28 anos. De modo que
a saga se instaura não só como
contraponto aos heróis lendários
do passado, mas para investigar a
gênese obscura e a face oculta do
homem moderno, sempre instável, que Fred representa.
Falou-se aqui muito em saga ou
epopéia. Mas, ao contrário delas,
Christensen interessa-se pelo
miúdo, pelas pequenas ações e
perfídias, que vai desfiando num
movimento hipnótico, página
após página. A impressão é que se
vê tudo, mas zonas extensas são
deixadas propositadamente nas
sombras, como, por exemplo, as
dúvidas sobre o pai de Fred ou
boa parte das motivações dos personagens. Como no cinema, o
mistério está naquilo que a câmera não consegue captar.
Ou, conforme diz Barnum:
"Noventa por cento de nossa percepção passa pelo olhos, a audição representa cinco por cento, e
o resto é olfato e dor". A dor é o tema secreto do romance, em torno
do qual todos os outros se entrelaçam e se revelam.
O Meio-Irmão
Autor: Lars Saabye Christensen
Tradução: Francis Henrik Aubert
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 69,90 (584 págs.)
Na Bienal do Rio: Christensen participa
de encontro no dia 14/5, às 15h, no
Pavilhão Verde<
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