|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS
CONTOS
"Manual Prático de Levitação" reúne 20 textos do escritor angolano
Agualusa destila magia em seus relatos de "lugares de errância"
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
José Eduardo Agualusa é uma
estrela em ascensão na literatura de língua portuguesa. Nascido
em 1960 em Huambo, Angola, é
descendente de brasileiros e portugueses. Com cinco romances
lançados no Brasil, pela Gryphus,
Agualusa fez muito sucesso na
Flip (Festa Literária de Parati) de
2004, ao participar de mesa-redonda com Caetano Veloso.
"Manual Prático de Levitação"
reúne 20 contos, na maioria tirados de coletâneas anteriormente
publicadas em Portugal. Os seis
primeiros relatos, tendo Angola
como cenário, são memoráveis.
"A Noite em que Prenderam Papai Noel" conta a história de um
velho albino encarregado de cuidar da piscina de um clube, nos
tempos do domínio português sobre Angola. Com a independência, diz Agualusa, "uma espécie de
cansaço desceu por sobre as casas
e a cidade começou a morrer.
África -vamos chamar-lhe assim- voltou a apoderar-se do
que fora seu. Abriram-se cacimbas nos quintais. Acenderam-se
fogueiras nos jardins. O capim
rompeu o asfalto, invadiu os passeios, os muros, os pátios. Mulheres pilavam milho nos salões".
Há um pouco de Rimbaud na
precisão mágica das observações,
que logo cedem lugar a um retrato
bem mais doloroso da violência e
da guerra civil. Em "Eles Não São
como Nós", uma rotina de estupros e assassinatos é tratada por
meio de uma conversa surpreendente, ao mesmo tempo objetiva e
sutil, entre os personagens.
Claro que situações sociais extremas impõem um tom realista,
ainda que não no registro puramente documental ou na mistura
de indignação e regozijo sádico
que se tornou comum no Brasil
pós-Rubem Fonseca. Mas a literatura de Agualusa não se resume a
ser -o que já é muito- um exercício mais sutil, ou menos brutal,
do realismo em voga atualmente.
Vários contos se iluminam de
percepções intensamente poéticas, e os próprios sonhos dos personagens abrem dimensões imprevistas e irreais ao desenvolvimento de cada história. Em "Se
Nada Mais Der Certo Leia Clarice", um personagem admirador
de Clarice Lispector começa "por
sonhar peixes pequenos, muito
rudimentares, só um veloz traço
de prata, só uma ligeira vírgula refulgindo no ar, mas com o tempo,
à medida que desenvolvia a técnica, passou a sonhar garoupas, meros, inclusive espadartes...".
Outra iluminação: "Havia uma
desordem de roupas sobre a cama. A mulher deixou que o vestido lhe deslizasse até os pés e ficou
nua diante dele, bela como um
abismo, a pele negra reluzindo na
sombra".
Nas duas últimas seções do livro, que têm como cenário o Brasil e "outros lugares de errância",
o leitor se ressente de uma certa
falta de homogeneidade. Surgem
textos que mais parecem crônicas
ou páginas ocasionais do que
contos plenamente realizados.
Referências livrescas e jogos de
espelhos envolvendo Jorge Luis
Borges e Fernando Pessoa também diminuem, em alguns contos, a impressão de originalidade
e poder literário que a primeira
parte deste "Manual Prático de
Levitação" é capaz de suscitar.
Manual Prático de Levitação
Autor: José Eduardo Agualusa
Editora: Gryphus
Quanto: R$ 29 (161 págs.)
Na Bienal do Rio: Agualusa participa de
café literário, no dia 15/5, às 13h, no
Pavilhão Verde
Texto Anterior: Análise: Rubem Fonseca "processa" o senso comum Próximo Texto: Vitrine brasileira/Ficção - Conto: Papéis Avulsos Índice
|