São Paulo, sábado, 07 de maio de 2005

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LIVROS

CONTOS

"Manual Prático de Levitação" reúne 20 textos do escritor angolano

Agualusa destila magia em seus relatos de "lugares de errância"

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

José Eduardo Agualusa é uma estrela em ascensão na literatura de língua portuguesa. Nascido em 1960 em Huambo, Angola, é descendente de brasileiros e portugueses. Com cinco romances lançados no Brasil, pela Gryphus, Agualusa fez muito sucesso na Flip (Festa Literária de Parati) de 2004, ao participar de mesa-redonda com Caetano Veloso.
"Manual Prático de Levitação" reúne 20 contos, na maioria tirados de coletâneas anteriormente publicadas em Portugal. Os seis primeiros relatos, tendo Angola como cenário, são memoráveis.
"A Noite em que Prenderam Papai Noel" conta a história de um velho albino encarregado de cuidar da piscina de um clube, nos tempos do domínio português sobre Angola. Com a independência, diz Agualusa, "uma espécie de cansaço desceu por sobre as casas e a cidade começou a morrer. África -vamos chamar-lhe assim- voltou a apoderar-se do que fora seu. Abriram-se cacimbas nos quintais. Acenderam-se fogueiras nos jardins. O capim rompeu o asfalto, invadiu os passeios, os muros, os pátios. Mulheres pilavam milho nos salões".
Há um pouco de Rimbaud na precisão mágica das observações, que logo cedem lugar a um retrato bem mais doloroso da violência e da guerra civil. Em "Eles Não São como Nós", uma rotina de estupros e assassinatos é tratada por meio de uma conversa surpreendente, ao mesmo tempo objetiva e sutil, entre os personagens.
Claro que situações sociais extremas impõem um tom realista, ainda que não no registro puramente documental ou na mistura de indignação e regozijo sádico que se tornou comum no Brasil pós-Rubem Fonseca. Mas a literatura de Agualusa não se resume a ser -o que já é muito- um exercício mais sutil, ou menos brutal, do realismo em voga atualmente.
Vários contos se iluminam de percepções intensamente poéticas, e os próprios sonhos dos personagens abrem dimensões imprevistas e irreais ao desenvolvimento de cada história. Em "Se Nada Mais Der Certo Leia Clarice", um personagem admirador de Clarice Lispector começa "por sonhar peixes pequenos, muito rudimentares, só um veloz traço de prata, só uma ligeira vírgula refulgindo no ar, mas com o tempo, à medida que desenvolvia a técnica, passou a sonhar garoupas, meros, inclusive espadartes...".
Outra iluminação: "Havia uma desordem de roupas sobre a cama. A mulher deixou que o vestido lhe deslizasse até os pés e ficou nua diante dele, bela como um abismo, a pele negra reluzindo na sombra".
Nas duas últimas seções do livro, que têm como cenário o Brasil e "outros lugares de errância", o leitor se ressente de uma certa falta de homogeneidade. Surgem textos que mais parecem crônicas ou páginas ocasionais do que contos plenamente realizados. Referências livrescas e jogos de espelhos envolvendo Jorge Luis Borges e Fernando Pessoa também diminuem, em alguns contos, a impressão de originalidade e poder literário que a primeira parte deste "Manual Prático de Levitação" é capaz de suscitar.


Manual Prático de Levitação
   
Autor: José Eduardo Agualusa
Editora: Gryphus
Quanto: R$ 29 (161 págs.)
Na Bienal do Rio: Agualusa participa de café literário, no dia 15/5, às 13h, no Pavilhão Verde



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