São Paulo, quarta-feira, 07 de maio de 2008

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Existe mulher de verdade no cinema?

Abertura da temporada de verão, recheada de blockbusters e testosterona, explicita falta de bons papéis femininos em Hollywood

Meryl Streep, Angelina Jolie e as garotas de "Sex and the City" enfrentam exército de super-heróis e comediantes nas bilheterias dos EUA

MANOHLA DARGIS
DO "NEW YORK TIMES"

Homem de Ferro, Batman, aquele homem verde sempre zangado; a julgar pela nova temporada dos filmes de ação, é como se Hollywood tivesse compreendido que a melhor maneira de enfrentar suas dificuldades com as mulheres é simplesmente ignorá-las -as mulheres, quero dizer.
Não que os estúdios não tenham tentado dar destaque às protagonistas, em filmes como "Invasores", com Nicole Kidman, e "Valente", com Jodie Foster. Mas depois que esses dois lançamentos da Warner micaram, a fofoca era que o presidente de produção do estúdio, Jeff Robinov, havia jurado que nunca mais faria um filme liderado por uma mulher.
Um representante do estúdio negou que isso tenha acontecido. E, francamente, é difícil acreditar que qualquer um em Hollywood fosse idiota a ponto de dizer o que muita gente por lá pensa: mulheres não são boas diretoras, não servem como protagonistas, são um nicho.
Ninguém gosta de admitir o pior, mesmo quando está saltando aos olhos. Basta olhar para os filmes para perceber como nos tornamos irrelevantes.
Em momento algum, nossa irrelevância se torna mais aparente do que no verão. Nos próximos meses, as telas vão reverberar com os estrondos de Homem de Ferro e Hulk. O sexagenário Harrison Ford estalará o chicote como Indiana Jones.
Heróis de ação, como Will Smith e Nicolas Cage, correrão descontrolados, e o mesmo vale para comediantes como Eddie Murphy e Will Ferrell.
As garotas do verão são minoria, e as mulheres estão quase extintas. A jovem Emma Roberts interpreta uma menina mimada em "Wild Child", e Abigail Breslin está loira em "Kit Kittredge". Meryl Streep estrela a adaptação do musical "Mamma Mia!", e o elenco de "Sex and the City" chega à tela grande, ainda que suas quatro protagonistas, na verdade, sejam homens gays vestidos de mulher. Angelina Jolie exibe armas enormes em "Wanted".
E Cameron Diaz contracena com Ashton Kutcher na comédia "What Happens in Vegas".

Idade de Hollywood
Em agosto, Anna Faris estrela uma nova comédia chamada "The House Bunny", na qual vive uma coelhinha da "Playboy" expulsa da mansão por estar velha. Um trailer mostra Faris reagindo com surpresa: "Mas eu só tenho 27 anos", ela diz.
"Isso equivale a 59 em anos de coelha", explica um amigo. Em anos de Hollywood, também.
"The House Bunny" é produção da Sony Pictures, que, neste verão, também lançará a mais recente comédia de Adam Sandler, "Don't Mess With the Zohan" (co-escrita por Judd Apatow) e outros dois títulos da grife Apatow, "Step Brothers" e "Pineapple Express".
O estúdio estréia ainda "O Melhor Amigo da Noiva", uma nova versão de "O Casamento de Meu Melhor Amigo", que a mesma casa lançou em 1997, mas com Patrick Dempsey no papel que foi de Julia Roberts.
Essas jogadas de reaproveitamento de material com inversão de sexo não são novidade, mas chegaram à sua apoteose em Apatow. Com sua corte de comediantes talentosos, ele contornou brilhantemente a questão complicada das mulheres no cinema ao dar aos seus protagonistas masculinos os principais papéis femininos.

Só 3 no top 20
Em 2007, apenas três dos 20 filmes de maior audiência nos EUA tinham tema feminino: um deles envolvia uma princesa ("Encantada"), e dois outros, histórias de gravidez ("Ligeiramente Grávidos" e "Juno").
Talvez existam mais mulheres trabalhando no setor hoje em dia, mas ninguém adivinharia, tomando por base o que se vê nas telas. Os motivos são complexos: há quem aponte para a falta de diretoras de cinema. Há quem culpe o público feminino, ainda que o sucesso de "Baby Mama", assim como o de "O Diabo Veste Prada", dois verões atrás, indique que, se algo decente estiver em cartaz, as mulheres comparecerão.
Entre os prazeres do cinema, estão não só os novos mundos que ele nos abre mas os prazeres que já conhecemos, como o de ver mulheres maiores, mais ferozes e mais belas do que na vida. E, quer estejamos falando de Sigourney Weaver em "Alien", Rosario Dawson em "À Prova de Morte" ou Meryl Streep em qualquer coisa, estarei lá para assistir.
O cineasta negro Tyler Perry construiu seu sucesso em parte sobre a verdade de que as audiências gostam de ver rostos como os seus nas telas. Em 2008, quando temos uma mulher branca e um homem negro disputando a presidência e atraindo número inédito de eleitores em parte por representarem grupos que por muito tempo foram deixados de fora, era de se esperar que Hollywood se tocasse.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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