São Paulo, sábado, 07 de maio de 2011 |
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CRÍTICA ROMANCE Vila-Matas relaciona Gutenberg com Google Leitor consegue ser captado por "Dublinesca", mas pode tropeçar no emaranhado de citações de intelectuais ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO Fazer um réquiem para a literatura e a imprensa. Celebrar a internet. Dar um salto na vida justamente em Dublin, onde James Joyce ergueu o seu magistral "Ulisses" -um marco nas letras no mundo. Esse plano, com tonalidades burlescas, move o personagem principal de "Dublinesca", novo romance do espanhol Enrique Vila-Matas. Samuel Riba é um editor aposentado que mora em Barcelona. Está amargurado com a sua perda de poder e reclama da crise da literatura. Fissurado pela internet, vive imerso no computador. Busca no Google citações de seu nome. Como o autor, o personagem Riba passou dos 60 anos. Ainda se preocupa em impressionar seus pais. Inventa histórias de sucesso e foge das seguidas cobranças sobre projetos futuros. Omite que seu negócio soçobrou. "O que pode dizer a seus pais? Que tudo acaba?", pensa o protagonista. O personagem está cansado de sua "vida de catálogo". Não sabe verdadeiramente quem é e quem poderia ser. Vasculha nas grandes obras literárias pontes para a sua existência. Constrói sua viagem com amigos a partir dos livros e das pesquisas na internet. Quer ter algo para contar. Vila-Matas é habilidoso em tecer a trajetória de Riba, entremeando-a com referências a obras de Joyce (1882-1941), do poeta William Butler Yeats (1865-1939) e do dramaturgo Samuel Beckett (1906-1989). Além desses irlandeses célebres, ele pinça outros grandes nomes das letras, como o americano Paul Auster, para dar mergulhos intercalados na literatura e na crítica. A tensão editor-autor fica subjacente. É no sexto capítulo de "Ulisses", o do funeral, que Vila-Matas tenta escorar a epopeia cotidiana de seu personagem. O editor Riba reflete sobre o dublinense: "O maior achado de Joyce em "Ulisses" foi ter entendido que a vida é feita de coisas triviais. O truque glorioso que Joyce pôs em prática foi tomar o absolutamente mundano para lhe dar base heroica de alcance homérico". Como o personagem principal de "A Viagem Vertical", livro que deu a Vila-Matas o prêmio Rómulo Gallegos de melhor romance em língua espanhola, Riba está angustiado com a velhice. "Envelhecer é um desastre", pontifica. Busca dar um salto, uma virada, estraçalhar a rotina. Mas, diferentemente do empresário nacionalista catalão daquele livro, o editor de "Dublinesca" tenta espantar o "processo de demolição da vida" tratando o apocalíptico como uma paródia. Fica entretido planejando um funeral para a literatura. JORNADA ORIGINAL Em vagas de otimismo, Riba insiste em repetir o adágio do avô: "Nada importante se faz sem entusiasmo". Assim vai enfrentando fracassos e fantasmas. Às vezes se enxerga como um personagem de romance e tenta escapar de enredos batidos. Segue lutando contra o alcoolismo e tentando entender a mulher, que virou budista. O autor deixa para as últimas páginas um trecho sensível e romântico. Trata com delicadeza uma passagem emotiva na relação de décadas de Riba com a mulher -"um instante no centro do mundo", ou um daqueles "momentos privilegiados que é preciso saber captar", filosofa o personagem. Vila-Matas captura o leitor, que às vezes pode tropeçar e cair no cipoal de citações de escritores, poetas, dramaturgos, críticos. O editor Riba conduz a viagem por uma literatura que age como "uma força em linha direta com o subconsciente". Para o leitor, é uma jornada original. Entre Gutenberg e o Google, ele pode ficar com os dois e conhecer outros campos a partir de Dublin. DUBLINESCA AUTOR Enrique Vila-Matas EDITORA Cosac Naify TRADUÇÃO Jose Rubens Siqueira QUANTO R$ 59 (320 págs.) AVALIAÇÃO bom Texto Anterior: Evento terá Werner Herzog, Zizek e Enrique Vila-Matas Próximo Texto: Crítica romance: "Apego" tem história comum narrada de forma enfadonha Índice | Comunicar Erros |
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