São Paulo, sábado, 07 de maio de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Invenções excepcionais se perdem em puro palavrório

Em "Vermelho Amargo", clareza dá lugar a poetização compulsiva e preciosismo

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA

O escritor mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, nascido em 1944, é autor de 43 livros, a maior parte destinada ao público infantil ou juvenil. Foi várias vezes premiado, inclusive pelo Jabuti (2008) e pela Academia Brasileira de Letras (2004).
Queirós é também um dedicado militante da difusão da leitura e da literatura no país. Atuou no projeto ProLer e idealizou o Movimento por um Brasil Literário.
Sua obra inclui ainda livros didáticos, de poesia e novelas para adultos, como "Vermelho Amargo", lançado agora pela Cosac Naify.
Feito a partir de elementos autobiográficos, segundo o próprio autor, "Vermelho Amargo" fala da angústia de um garoto depois da morte da mãe, da convivência infeliz com a madrasta e do sucessivo afastamento dos irmãos da casa paterna.
O enredo é trivial, sem surpresas nem sobressaltos.
Não importa. Grandes livros já foram feitos com menos que isso. A intriga conta pouco na obra, construída na primeira pessoa, na voz melancólica, delicada e imaginativa do narrador-menino.
A imagem de um tomate sendo cortado para a refeição -pela mãe e pela madrasta- é o "leitmotiv" do livro.
O pequeno ato doméstico funciona como metáfora das relações familiares, configura as delícias e os sofrimentos do protagonista e até as suas alucinações: como a de se transformar num tomate ou ser "degolado" como ele.
Os paralelos dramáticos entre a comida, o ritual da refeição, o amadurecimento do menino e a dissolução da família são o que "Amargo Vermelho" tem de mais interessante e singular.
Outro aspecto curioso é o modo como Queirós reelabora certos fantasmas, fabulações e traumas da criança (a mãe amorosa e a madrasta má, a fada e a bruxa, o pai ausente e os irmãos perdidos, o assédio sexual, a descoberta do amor e da morte etc.), como se desejasse fazer um livro infantil para adultos.
Com pouco mais de 60 páginas, "Vermelho Amargo" é uma novela modesta do ponto de vista da narrativa e dos temas, mas cuja escrita está investida de forte ambição. O autor não quer fazer simples prosa. Deseja realizar uma "prosa poética" que apreenda movimentos da imaginação e sutis modulações psicológicas dos personagens.
Há várias pequenas e excepcionais invenções no livro. Elas acabam, porém, se perdendo no conjunto dominado por uma dicção fastidiosamente elevada e preciosista, que abusa de metáforas e outras figuras de linguagem, de adjetivos, neologismos, efeitos líricos, máximas e divagações "filosóficas".
Algumas vezes, a escrita resulta em puro palavrório.
"Compreendia a solidão que o macarrão exigia. Dia de macarronada só comia macarronada", diz um trecho. "A felicidade abraçava-me, embaraçava-se em meu corpo, salgava-me com o sal de sua saliva", diz outro.
Numa anotação feita à margem do capítulo seis de "A Cartuxa de Parma" (1839), Stendhal escreveu: "Em Paris, chamariam esse parágrafo de deselegante. Eu o chamo claro [ele grifa a palavra] e não quero torná-lo elegante, por exemplo, retirar os dois "ter", "tinha", e substituí-los por um torneio declamatório ou uma perífrase".
"Vermelho Amargo" cede em demasia ao "torneio declamatório", à poetização compulsiva e ao vício do virtuosismo. Um pouco mais de contenção, de clareza e de objetividade é coisa que ajudaria o autor a se afastar da impostação literária e prosseguir na busca árdua da literatura ela mesma.

VERMELHO AMARGO
AUTOR Bartolomeu Campos de Queirós
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 39 (72 págs.)
AVALIAÇÃO regular




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