São Paulo, sábado, 07 de maio de 2011

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CRÍTICA HISTÓRIA

"Titília e o Demonão" não traz novidades

Novo lote de cartas entre d. Pedro 1º e a marquesa de Santos tem interesse limitado e é tratado de forma inadequada

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma das narrativas de alcova mais conhecidas da história do Brasil é a que aborda o relacionamento extraconjugal de dom Pedro 1º com Domitília de Castro, a marquesa de Santos.
Os dois se conheceram em São Paulo às vésperas da proclamação da Independência, e o imperador logo a levou para o Rio de Janeiro.
Por sete anos, viveram um romance tão tórrido quanto público, para a humilhação da mulher de d. Pedro, a imperatriz Leopoldina.
Detalhes picantes do caso, baseados em cartas do imperador e relatos de testemunhas, há muito tempo estão incorporados à biografia dos personagens.
Agora, surgem novas cartas de d. Pedro à marquesa de Santos. Um lote de 94 missivas foi obtido no ano passado num pequeno museu de Nova York, o Hispanic Society of America, depois de um trabalho de investigação do pesquisador Paulo Rezzutti, que tem o mérito de ter levado a cabo a empreitada.
Mas o material inédito, editado em "Titília e o Demonão" (apelidos com que os amantes se tratavam), tem interesse limitado e recebe tratamento inadequado.
Das novas cartas, apenas meia dúzia vai além de poucos parágrafos. O que predomina são bilhetes triviais.
"Manda-me a cadeirinha [meio de transporte com tração humana] que eu te dei pois a quero mostrar, e logo te a entregarei" está escrito numa delas, e mais nada.

ABORDAGEM IMPRÓPRIA
Mesmo nas cartas em que intimidades são reveladas, não há novidade. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreve o imperador. A declaração escancara o sentimento de d. Pedro, mas só teria relevância biográfica se pairasse alguma dúvida sobre a intensidade do "affair".
Por serem lacônicas e redundantes, as missivas que vêm à luz não constituem um romance epistolar. O autor escorrega na abordagem imprópria. Ao fim da introdução, Rezzutti convida o leitor a ler as cartas num registro típico de apresentador do "Big Brother Brasil". "Vamos espiar", escreve, como se tivesse flagrado os amantes sob um edredom do século 19.
O mais grave, no entanto, é a interpretação, que não encontra sustentação nos fatos. Numa carta, o imperador escreve: "Sinto infinito quando não posso fazer o que mecê pede; mas é o que acontece a quem como eu deseja manter a justiça e a disciplina militar".
A partir dessas palavras, Rezzutti, apresentado como arquiteto e urbanista, conclui que d. Pedro, embora ajudasse os parentes de Domitília, agia "sempre dentro da legalidade".
Ao comprar a palavra do imperador pelo valor de face, Rezzutti desconsidera que ele permitiu que a marquesa tivesse enriquecido cobrando propinas para intermediar negócios reais. Faltou ceticismo para dar o devido desconto à versão imperial.

OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (Publifolha)

TITÍLIA E O DEMONÃO
AUTOR Paulo Rezzutti
EDITORA Geração Editorial
QUANTO R$ 39,90 (356 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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