São Paulo, quarta-feira, 07 de junho de 2006

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Novo disco do Gotan Project, banda de tango eletrônico, homenageia origens africanas do estilo

Tango de trás para frente

Divulgação
O trio franco-argentino baseado em Paris Gotan Project, que acaba de lançar o álbum "Lunático"


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

O nome da banda não tem nada a ver com Gotham City, a metrópole sombria e imaginária onde o Batman atua. O "gotan" do grupo de tango eletrônico Gotan Project é, na verdade, uma inversão das sílabas que formam a palavra tango e remonta a uma tradição do lunfardo (dialeto portenho da virada do século 19 para o 20), chamada "vesre", que consistia em criar palavras alterando as que já existiam.
Inverter e confundir a linguagem do passado para criar uma nova no presente é, justamente, o que esse grupo argentino baseado em Paris mais gosta de fazer. Depois de vender mais de 1 milhão de cópias do primeiro disco, "La Revancha del Tango" (2001), o Gotan Project agora volta a remexer o passado do mais típico gênero musical argentino em "Lunático" (!Ya Basta!, importado), disco que acaba de sair na Europa, mas que ainda não tem data para ser lançado aqui.
Desta vez, são os elementos africanos que estavam nas origens do tango que estão no foco da banda. "Está havendo uma revisão da história oficial do gênero, dando mais ênfase à herança afro", disse à Folha, de Paris, Eduardo Makaroff, o músico argentino que, ao lado dos produtores franceses Philippe Cohen Solal e Christoph H. Müller, fundou o Gotan, em 1998.
Com isso, a percussão foi incrementada e várias palavras afro-argentinas, inseridas nas letras (candombe, milonga, mandinga, quilombo). A própria palavra "tango", lembra Makaroff, é uma delas.
"A visão eurocentrista dos que formaram a Argentina moderna negou o lado negro e indígena do nosso país. Houve uma vontade de esconder a participação africana na história argentina, porque o argentino sempre quis ser europeu."
Se o primeiro disco do Gotan se dedicava apenas a dar uma roupagem eletrônica a uma sonoridade já conhecida, "Lunático" dá um passo à frente. "De lá para cá, quisemos manter o mesmo espírito de exploração, mas mudar a aproximação. Com "La Revancha del Tango", a idéia era levar o gênero para as pistas de dança, para o mundo dos DJs." Mas isso, conta, não era mais do que ficar à beira da praia. E agora? "Acho que enfiamos de vez os pés no mar e quebramos as ondas. Dá um pouco de receio, porque encontramos um oceano de enormes profundidades e que pode nos causar vertigem", diz Makaroff, evocando uma imagem poética.
Nesse "oceano" também estão, além dos elementos afro, arranjos de cordas à maneira de orquestras tradicionais do Rio da Prata -como as de Aníbal Troilo, Carlos Di Sarli e Juan D'Arienzo- feitos pelo argentino Gustavo Beytelman. "Queríamos cordas de tango à antiga, com a presença forte de violinos e do contrabaixo ao lado do bandoneon." Além da forma orquestral, o tango-canção também recebe sua homenagem em letras como "Celos" e "Tango Canción". O nome do álbum, "Lunático", aliás, é uma homenagem a Carlos Gardel (1890-1935), pois se refere ao cavalo preferido do cantor, ícone do tango nos anos 30.
Seria uma nova "revanche", como no primeiro disco? "Sempre é, o tango sempre está reaparecendo e reconquistando o mundo. Foi assim quando surgiu, foi assim nos anos 40 e depois de novo com Astor Piazzolla [1921-1992]", diz.
Fazer tango em Paris, entretanto, parece um paradoxo, por estar tão longe de Buenos Aires. Tanto é que algumas coisas o Gotan só grava na Argentina. "Para alguns instrumentos ou sonoridades, apenas no Rio da Prata encontramos intérpretes à altura", diz Makaroff. Por outro lado, a relação da capital francesa com o tango é antiga. "O gênero teve de ficar conhecido em Paris antes de ser aceito pelo "establishment" de Buenos Aires e Montevidéu."
Makaroff, que está na França desde 1990, é um entre os muitos artistas de tango argentinos que foram a Paris tentar a sorte. "Viemos todos, os bons, os médios, os maus, os letristas e os compositores. Paris é a segunda casa do tango", conta.
O Gotan não esconde que a idéia agora é aumentar o público e o mercado. Os locais de apresentação do grupo pelo mundo já dão uma idéia da variedade de fãs que ele busca. Em alguns países, tocam em teatros ou casas de ópera, noutras, em tendas ou palcos de festivais de rock.
Em sua passagem pelo Brasil, em 2003, a banda tocou no MAM-RJ, durante o Tim Festival. Neste ano, vai se apresentar no tradicional festival pop de Reading, na Inglaterra. Makaroff diz não estranhar a adesão do público jovem. "Levamos o tango a um casamento com a estética eletrônica e ao mundo das novas tecnologias. Um código que os mais jovens conhecem. Além disso, transmitimos uma emoção que é atemporal, a das melodias do tango, do som tocante do bandoneon. O nosso sucesso em muito se deve não ao fato de sermos o Gotan, mas por tocarmos tango. E o tango é belíssimo."


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