JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Caparaó" é um documentário no sentido estrito e convencional do termo, de organização mais ou menos didática de informações sobre um assunto determinado, no caso a primeira tentativa de reação armada ao regime militar no Brasil.
Preparada por um grupo de militantes do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), ligado ao ex-governador gaúcho Leonel Brizola (1922-2004), a guerrilha na serra do Caparaó (na divisa do Espírito Santo com Minas Gerais) foi abortada e esfacelada em 1967 pelas forças militares antes mesmo de começar.
O filme de Flavio Frederico, o primeiro sobre o tema, reúne um substancioso material de arquivo e os depoimentos de sobreviventes tanto do grupo guerrilheiro como de agentes da repressão e, mais importante, de moradores da região que denunciaram o "foco" rebelde.
Esses variados registros compõem um quadro bastante claro do episódio, que é revelador não apenas da perplexidade de setores de esquerda diante do golpe como também do seu isolamento em relação ao grosso da população.
No caso específico de Caparaó, os combatentes, em sua maioria, eram ex-militares, sobretudo pára-quedistas e marinheiros.
Uma das idéias felizes do filme foi a de levar os sobreviventes do grupo revolucionário ao próprio local de seu acampamento e treinamento, no alto da montanha.
A região continua tão inóspita e inacessível quanto na época dos eventos narrados. A tal ponto que a equipe do documentário, mesmo com a ajuda dos sobreviventes e de um tarimbado guia, não conseguiu chegar ao local onde haveria até hoje um pequeno depósito de armas da guerrilha.
Essa impossibilidade, por paradoxal que pareça, dá ao filme um de seus momentos mais vivos, como a ilustrar os limites de qualquer tentativa de aproximação do real.
Mas o que diferencia "Caparaó" da maioria dos filmes sobre a guerrilha e a repressão no país é a superação do maniqueísmo fácil e da surrada mitologia da resistência guerrilheira, sem prejuízo do respeito e mesmo da admiração por seus participantes.
Nesse aspecto, o cândido depoimento de moradores da região, relembrando com orgulho o modo como chamaram a atenção da polícia para aqueles barbudos estranhos acampados na montanha, diz mais sobre o isolamento da esquerda armada do que teses inteiras.