São Paulo, sábado, 07 de junho de 2008 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS "Sempre vejo a esquisitice do dia-a-dia"
Em "É Claro que Você Sabe do que Estou Falando", Miranda July lança olhar triste, mas cômico, sobre as relações cotidianas
BRUNO YUTAKA SAITO DA REPORTAGEM LOCAL A vida é cheia de som e fúria. Mas, para pessoas como Miranda July, ela é também repleta de silêncios e momentos tranqüilos que irão se revelar surreais sob uma fina superfície. Ao menos essa é a visão que a artista multimídia demonstra em seu primeiro livro, "É Claro que Você Sabe do que Estou Falando", reunião de 16 contos lançada no exterior em 2007 e que chega agora ao Brasil. O formato livro é apenas uma nova plataforma usada pela versátil Miranda. Norte-americana de 34 anos que cresceu em Berkeley, Califórnia, ela é mais conhecida pelo público por seu simpático longa-metragem "Eu, Você e Todos Nós", que lhe rendeu uma série de prêmios, entre eles o cobiçado Caméra d'Or, no Festival de Cannes de 2005, concedido ao melhor filme de um diretor estreante. O mesmo clima poético de "festa estranha com gente esquisita" da produção está em suas performances, em seus trabalhos de videoarte, curtas e, claro, no livro. Em todos os contos temos a narração em primeira pessoa de uma mulher (a exceção é "A Irmã") que parte de uma situação banal, cotidiana, e logo se embrenha por uma estranha realidade povoada por seres solitários e carentes de amor. Sexo, hetero ou gay, consumado ou frustrado, portanto, é tema recorrente. "Há muitos tipos de desejos e ânsias. Escrevi vários desses contos quando eu tinha 20 e poucos anos, e essa é uma fase de desejos, de esperas", afirma Miranda em entrevista à Folha. "A sexualidade, nas minhas histórias, é geralmente fantástica, inconsciente, e não erótica. É como um sonho com sexo, uma metáfora para falar de outras coisas", diz. É assim no conto "Fazendo Amor em 2003", em que a virginal narradora adolescente é atacada na cama por um borrão. Eles irão se tornar namorados. Quem também povoa o universo de Miranda são as crianças. "O Garoto de Lam Kien" e "Como Contar Histórias para Crianças" revelam um fascínio pelo universo infantil. "Adultos são complicados porque pensamos numa coisa quando queremos dizer outra. Me sinto livre quando escrevo sobre crianças. A interação entre elas e os adultos revela muitas coisas sobre nós." A artista, no entanto, vai além da mera esquisitice gratuita que domina a cultura independente norte-americana. "Eu sinto as coisas ao meu redor de uma maneira muito intensa. Tenho uma tristeza grande dentro de mim, mas o que me salva é o humor. Sempre vejo a esquisitice que há em cada coisa do dia-a-dia", diz Miranda, que nega traços autobiográficos nas histórias. Incertezas É grande a tentação de relacionar a artista à personagem de "A Equipe de Natação", por exemplo, que mais parece a descrição de uma performance. Nela, a narradora ensina três idosos a nadar... em um chão seco. E, em "O Quintal Compartilhado" ou "Alguma Coisa que Não Precisa de Coisa Alguma", as personagens se pegam imobilizadas, como numa epifania à moda Clarice Lispector. "Encaro a vida de uma forma diferente. Às vezes me sinto distante, imersa em pensamentos e, de repente, percebo que o que estou pensando está realmente acontecendo na minha frente", conta a distraída moça. Miranda recusa o estereótipo de doidinha ou de "loser" (perdedora) americana. "Tenho um total desinteresse por pessoas que vivem sem dúvidas na vida. Não considero meus personagens "losers". Acho que essa é a forma como as pessoas são: repletas de incertezas, mas fazendo coisas espetaculares." Entre as coisas espetaculares que ela faz está cinema. Atualmente, trabalha na seleção de atores para seu segundo longa, "Satisfaction". À Folha Miranda não revelou absolutamente nada, mas o site da "Variety" diz que se trata de uma comédia sobre um triângulo amoroso. Já dá para ter uma idéia do que Miranda está falando. Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Trechos Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |