São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2004

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VIDEOLOGIAS

Textos de Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl fazem esforço consistente para explicar a TV e sua influência

Livro esmiuça papel da televisão no Brasil

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

"Se tirássemos a TV de dentro do Brasil, o Brasil desapareceria". Parece, e é, uma hipérbole, mas isso não tira a força do quase aforismo a que o jornalista Eugênio Bucci recorre para falar da urgência de uma crítica de televisão, em um dos textos inaugurais de "Videologias".
Mais adiante, a psicanalista Maria Rita Kehl, ao discutir o papel central da televisão na produção mesma da violência, vai ainda além: "Faz sentido pensar que o Outro está encarnado nessa produção imaginária da qual a televisão é o principal veículo. Isso porque ela é de certa forma onipresente e onisciente, como Deus."
O lugar central que a televisão ocupa na sociedade brasileira só muito aos poucos vem merecendo reflexões menos apressadas e mais rigorosas do que a crítica jornalística. Bucci e Kehl fazem uma importante contribuição nesse sentido nessa coletânea de textos que, apesar de produzidos em tempos e para propósitos diversos, constituem um dos mais consistentes esforços de entender a televisão no Brasil.
É uma dupla que leva a televisão a sério e não é de hoje. Maria Rita Kehl, por exemplo, participou do fundamental "Um País no Ar", outra coletânea de ensaios sobre a televisão publicada quase 20 anos atrás e que ainda hoje é referência para qualquer interessado no assunto. Seu ensaio naquele livro, "Eu Vi Um País na TV", sobre a constituição da Rede Globo, é retomado e ampliado por Bucci em "Videologias". Este, por sua vez, vem da crítica de TV em jornais e revistas -escreveu na Folha, na "Veja" e no "Jornal do Brasil", hoje é presidente da Radiobrás.
Ambos partem, entretanto, dos mesmos referenciais teóricos para olhar para a TV -sim, Barthes & Saussure e Freud & Marx-, mas isso não deve assustar o leitor não-acadêmico. Embora seja necessário acompanhá-los em parte de seu percurso teórico, os textos caracterizam-se pela clareza.
O mais complicado, na verdade, é abandonar aquilo a que estamos acostumados a pensar sobre a TV. Por exemplo, que a violência independe dos conteúdos, mas "é própria do funcionamento do imaginário em si", ou seja, "na imagem enquanto imagem, uma vez que esta é elaborada e transmitida de maneira a não só substituir o real, mas sobretudo para oferecer um suposto gozo imediato do telespectador e com isso impedir os processo psíquicos e sociais de simbolização" como diz Marilena Chauí no prefácio.
Claro, a naturalização de cenas chocantes preocupa na medida que alimenta a violência real, no dizer de um dos melhores ensaios de Bucci, mas o buraco fica muito mais embaixo quando é a própria forma de circulação das imagens que é violenta.
Ou quando, nas discussões iniciais sobre o método, Bucci afirma: "A televisão não mostra lugares, não traz lugares de longe para muito perto, a televisão é um lugar em si", que "nada mais é que o novo espaço público". Sujeito às regras do espetáculo, o espaço público constituído pela televisão esgarça os limites entre fato e ficção com conseqüências complicadas para qualquer discussão sobre ética no jornalismo de TV.
Em outra rasteira no senso comum, Kehl propõe uma leitura em que a obscenidade do "Big Brother" está na manipulação dos afetos e não dos corpos. Coerentes com a afirmação de que a "crítica de televisão é, hoje, uma crítica do poder", os autores encerram o volume com um apêndice sobre os direitos do telespectador.


Videologias
   
Autores: Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 32 (252 págs.)



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