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VIDEOLOGIAS
Textos de Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl fazem esforço consistente para explicar a TV e sua influência
Livro esmiuça papel da televisão no Brasil
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
"Se tirássemos a TV de dentro do Brasil, o Brasil desapareceria". Parece, e é, uma hipérbole, mas isso não tira a força do
quase aforismo a que o jornalista
Eugênio Bucci recorre para falar
da urgência de uma crítica de televisão, em um dos textos inaugurais de "Videologias".
Mais adiante, a psicanalista Maria Rita Kehl, ao discutir o papel
central da televisão na produção
mesma da violência, vai ainda
além: "Faz sentido pensar que o
Outro está encarnado nessa produção imaginária da qual a televisão é o principal veículo. Isso porque ela é de certa forma onipresente e onisciente, como Deus."
O lugar central que a televisão
ocupa na sociedade brasileira só
muito aos poucos vem merecendo reflexões menos apressadas e
mais rigorosas do que a crítica
jornalística. Bucci e Kehl fazem
uma importante contribuição
nesse sentido nessa coletânea de
textos que, apesar de produzidos
em tempos e para propósitos diversos, constituem um dos mais
consistentes esforços de entender
a televisão no Brasil.
É uma dupla que leva a televisão
a sério e não é de hoje. Maria Rita
Kehl, por exemplo, participou do
fundamental "Um País no Ar",
outra coletânea de ensaios sobre a
televisão publicada quase 20 anos
atrás e que ainda hoje é referência
para qualquer interessado no assunto. Seu ensaio naquele livro,
"Eu Vi Um País na TV", sobre a
constituição da Rede Globo, é retomado e ampliado por Bucci em
"Videologias". Este, por sua vez,
vem da crítica de TV em jornais e
revistas -escreveu na Folha, na
"Veja" e no "Jornal do Brasil", hoje é presidente da Radiobrás.
Ambos partem, entretanto, dos
mesmos referenciais teóricos para olhar para a TV -sim, Barthes
& Saussure e Freud & Marx-,
mas isso não deve assustar o leitor
não-acadêmico. Embora seja necessário acompanhá-los em parte
de seu percurso teórico, os textos
caracterizam-se pela clareza.
O mais complicado, na verdade,
é abandonar aquilo a que estamos
acostumados a pensar sobre a TV.
Por exemplo, que a violência independe dos conteúdos, mas "é
própria do funcionamento do
imaginário em si", ou seja, "na
imagem enquanto imagem, uma
vez que esta é elaborada e transmitida de maneira a não só substituir o real, mas sobretudo para
oferecer um suposto gozo imediato do telespectador e com isso impedir os processo psíquicos e sociais de simbolização" como diz
Marilena Chauí no prefácio.
Claro, a naturalização de cenas
chocantes preocupa na medida
que alimenta a violência real, no
dizer de um dos melhores ensaios
de Bucci, mas o buraco fica muito
mais embaixo quando é a própria
forma de circulação das imagens
que é violenta.
Ou quando, nas discussões iniciais sobre o método, Bucci afirma: "A televisão não mostra lugares, não traz lugares de longe para
muito perto, a televisão é um lugar em si", que "nada mais é que o
novo espaço público". Sujeito às
regras do espetáculo, o espaço público constituído pela televisão esgarça os limites entre fato e ficção
com conseqüências complicadas
para qualquer discussão sobre ética no jornalismo de TV.
Em outra rasteira no senso comum, Kehl propõe uma leitura
em que a obscenidade do "Big
Brother" está na manipulação dos
afetos e não dos corpos. Coerentes com a afirmação de que a "crítica de televisão é, hoje, uma crítica do poder", os autores encerram o volume com um apêndice
sobre os direitos do telespectador.
Videologias
Autores: Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 32 (252 págs.)
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