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CINEMA
Crítica de David Neves apresenta
Cinema Novo visto "por dentro"
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
David Neves (1938-94) foi, a
exemplo de tantos nomes da
Nouvelle Vague francesa e do Cinema Novo brasileiro, um crítico
que passou à direção de filmes
-ou, talvez, um cineasta que começou pela crítica.
Sua militância na crítica, iniciada em jornais estudantis cariocas
no final dos anos 50, coincidiu
com os anos de formação e desenvolvimento do Cinema Novo.
Amigo de toda a turma do movimento, teve seu nome inevitavelmente associdado a ele.
Mas, como comprovam os textos reunidos no volume "Telégrafo Visual - Crítica Amável de Cinema", essa aproximação com o
Cinema Novo não resultou em
falta de isenção ou de distanciamento crítico.
Neves não foi um crítico "oficial", "chapa branca", mas um interlocutor ao mesmo tempo solidário e exigente. Solidário com os
propósitos, exigente quanto à integridade da realização e à qualidade dos resultados.
Suas afinidades afetivas e estéticas iam do veterano Humberto
Mauro ao "enfant terrible" Julio
Bressane, o que lhe valeu o rótulo
de "crítico ecumênico".
Esse ecumenismo tem a ver
com sua própria formação. Carioca da geração cinema-novista, tinha raízes em Minas -era primo
do crítico Alexandre Eulalio- e
um pé em São Paulo, de onde vinha a influência crucial de Paulo
Emilio Salles Gomes.
Como legítimo discípulo de
Paulo Emilio, Neves desenvolveu
uma crítica que, apesar de militante e apaixonada, não assumia
uma forma sentenciosa, definitiva, mas sim de diálogo, quase de
conversa informal.
Assim como seu próprio cinema ("Memória de Helena", "Lucia McCartney", "Muito Prazer"),
a produção crítica de David Neves
é irregular, alternando arrazoados às vezes confusos com sacadas brilhantes. Entre estas últimas
está, por exemplo, a definição de
Antonioni como "o primeiro eremita urbano".
Outras observações importantes e originais do crítico dizem
respeito à persistência de elementos da chanchada em certos filmes
de Nelson Pereira dos Santos ou à
simplificação radical que os cineastas "underground" teriam
feito de princípios estéticos do Cinema Novo. São idéias apenas esboçadas, mas que poderiam suscitar teses inteiras.
Há uma grande atualidade em
certas constantes críticas de Neves, como a sua diatribe contra o
público médio, segundo ele um
obstáculo ao cinema mais inventivo, por sua passividade e sua
conformidade a padrões narrativos estagnados.
A importância maior dos textos
deste livro -organizados com
carinho e competência por Carlos
Augusto Calil- está em expor a
partir de dentro, o desabrochar
do Cinema Novo, seus desdobramentos e seu confronto com outros modos de fazer cinema.
A crítica de David Neves, a
exemplo de seu cinema, traz a
marca do provisório e do imperfeito -como tudo o que é vivo.
Seus textos nos chegam hoje como cartas de alguém distante, que
nem chegamos a conhecer, mas
que nos faz muita falta.
Telégrafo Visual - Crítica
Amável de Cinema
Livro: Telégrafo Visual
Autor: David E. Neves
Editora: 34
Preço: R$ 45 (384 págs.)
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