São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2004

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CINEMA

Crítica de David Neves apresenta Cinema Novo visto "por dentro"

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

David Neves (1938-94) foi, a exemplo de tantos nomes da Nouvelle Vague francesa e do Cinema Novo brasileiro, um crítico que passou à direção de filmes -ou, talvez, um cineasta que começou pela crítica.
Sua militância na crítica, iniciada em jornais estudantis cariocas no final dos anos 50, coincidiu com os anos de formação e desenvolvimento do Cinema Novo. Amigo de toda a turma do movimento, teve seu nome inevitavelmente associdado a ele.
Mas, como comprovam os textos reunidos no volume "Telégrafo Visual - Crítica Amável de Cinema", essa aproximação com o Cinema Novo não resultou em falta de isenção ou de distanciamento crítico.
Neves não foi um crítico "oficial", "chapa branca", mas um interlocutor ao mesmo tempo solidário e exigente. Solidário com os propósitos, exigente quanto à integridade da realização e à qualidade dos resultados.
Suas afinidades afetivas e estéticas iam do veterano Humberto Mauro ao "enfant terrible" Julio Bressane, o que lhe valeu o rótulo de "crítico ecumênico".
Esse ecumenismo tem a ver com sua própria formação. Carioca da geração cinema-novista, tinha raízes em Minas -era primo do crítico Alexandre Eulalio- e um pé em São Paulo, de onde vinha a influência crucial de Paulo Emilio Salles Gomes.
Como legítimo discípulo de Paulo Emilio, Neves desenvolveu uma crítica que, apesar de militante e apaixonada, não assumia uma forma sentenciosa, definitiva, mas sim de diálogo, quase de conversa informal.
Assim como seu próprio cinema ("Memória de Helena", "Lucia McCartney", "Muito Prazer"), a produção crítica de David Neves é irregular, alternando arrazoados às vezes confusos com sacadas brilhantes. Entre estas últimas está, por exemplo, a definição de Antonioni como "o primeiro eremita urbano".
Outras observações importantes e originais do crítico dizem respeito à persistência de elementos da chanchada em certos filmes de Nelson Pereira dos Santos ou à simplificação radical que os cineastas "underground" teriam feito de princípios estéticos do Cinema Novo. São idéias apenas esboçadas, mas que poderiam suscitar teses inteiras.
Há uma grande atualidade em certas constantes críticas de Neves, como a sua diatribe contra o público médio, segundo ele um obstáculo ao cinema mais inventivo, por sua passividade e sua conformidade a padrões narrativos estagnados.
A importância maior dos textos deste livro -organizados com carinho e competência por Carlos Augusto Calil- está em expor a partir de dentro, o desabrochar do Cinema Novo, seus desdobramentos e seu confronto com outros modos de fazer cinema.
A crítica de David Neves, a exemplo de seu cinema, traz a marca do provisório e do imperfeito -como tudo o que é vivo. Seus textos nos chegam hoje como cartas de alguém distante, que nem chegamos a conhecer, mas que nos faz muita falta.


Telégrafo Visual - Crítica Amável de Cinema
    
Livro: Telégrafo Visual
Autor: David E. Neves
Editora: 34
Preço: R$ 45 (384 págs.)



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