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DRAUZIO VARELLA
Os matadores de terno e gravata
O homem que os jornais
apelidaram de "o último
chefão" entrou no tribunal de terno de lapela larga e camisa branca de colarinho, sem gravata.
Acusado de roubo e de condenar
à morte vários membros de sua
quadrilha, ergueu a mão direita
em saudação aos companheiros
mafiosos sentados no banco em
sua frente.
Assim Michael Daly descreve
para o prestigioso jornal nova-iorquino "Daily News" o primeiro
dia do julgamento de Joseph Massino na Corte Federal do
Brooklyn.
Em sua coluna, o respeitado jornalista prossegue: "...Esse último
Don, envolvido na morte de diversos gângsteres, pode ser considerado quase um homem de bom
comportamento quando comparado aos envolvidos num outro
caso em julgamento na mesma
semana. Enquanto aquele responde a um processo criminal, estes enfrentam a Justiça civil, embora sejam responsáveis pela
morte de milhões de pessoas".
Os acusados desse genocídio são
as companhias produtoras de cigarros, enquadradas pelo governo americano numa variante civil da lei conhecida como Rico
(Racketeer Influenced and Corrupt Act), promulgada em 1970
para dar amparo legal aos processos contra a Máfia.
Baseado nessa lei, no final de
maio, um juiz federal abriu um
processo para garantir ao governo o direito de recuperar US$ 289
bilhões dos fabricantes de cigarro,
conseguidos através de ganhos
considerados indevidos, uma vez
que o fumo tira a vida de 400 mil
americanos por ano. Só para dar
uma idéia da indenização pleiteada, lembremos que em 2004 o
orçamento integral do Ministério
da Saúde brasileiro foi de US$ 12
bilhões, isto é, o juiz americano
pede de indenização o equivalente ao que o nosso ministério gastaria em 24 anos.
O juiz alega que os chefões da
indústria do cigarro "funcionaram por mais de 45 anos como
uma organização criminosa, de
fato, para atingir através de
meios ilegais o objetivo comum de
maximizar seus lucros e evitar as
conseqüências de suas ações".
E continua: "Os acusados procuraram por muitos anos enganar o público americano a respeito dos efeitos do fumo sobre a saúde. (...) Repetida e consistentemente negaram que o cigarro
provoca dependência, mesmo depois de conhecerem e explorarem
intencionalmente as propriedades aditivas da nicotina (...) Repetida e consistentemente afirmaram que não empregavam estratégias mercadológicas especificamente dirigidas para as crianças,
enquanto faziam anúncios e utilizavam técnicas de marketing
para tornar seus produtos atraentes para elas".
Michael Daly relata que nos autos do processo está documentado
um fato pouco conhecido: "Representantes das cinco gigantes produtoras de fumo tiveram um encontro no hotel The Plaza, em
Manhattan, no dia 15 de dezembro de 1953, no melhor estilo das
comissões das famílias mafiosas.
Nele, os chefões do cigarro definiram estratégias para rebater os
estudos científicos que ligavam o
fumo ao câncer e aos ataques cardíacos. Todos concordaram que
as evidências publicadas eram extremamente sérias e mereciam
uma ação drástica".
A respeito dessa reunião clandestina, o juiz federal acrescentou
no processo: "Os executivos-chefes
reunidos no The Plaza concordaram que a estratégia a ser implementada deveria ter efeitos duradouros, portanto requeria que todos agissem em concerto. (...) E,
esse acordo mútuo, essa conspiração, continua a existir até hoje".
Os observadores do julgamento
dos executivos-chefes das cinco
maiores produtoras de cigarro do
mundo são unânimes em concordar que suas companhias se encontram em maus lençóis; dificilmente escaparão de uma multa
pesadíssima, capaz de abalar a
estrutura financeira do setor.
Afinal, lançar mão de métodos
escusos para impedir a divulgação das pesquisas científicas que
mostram ser o cigarro responsável por um em cada três casos de
câncer e a principal causa isolada
de infartos do miocárdio, enfisemas, derrames cerebrais, além de
outras doenças potencialmente
fatais. E ainda ter a desfaçatez de
insistir que nicotina não vicia, debochando cinicamente da legião
de fumantes que faz de tudo para
largar de fumar e não consegue, é
um crime muito grave que deve
ser punido pela sociedade.
A Justiça dos EUA julga que no
país deles esse delito deve ser enquadrado na mesma lei promulgada para punir os crimes da Máfia e que a multa para ressarcir os
gastos de saúde efetuados com o
tratamento dos que ficaram
doentes por causa do cigarro deve
ser de US$ 289 bilhões.
E nós, no Brasil, achamos que as
multinacionais do fumo não nos
devem nada? As mesmas companhias que serão obrigadas a pagar pelo crime continuado cometido contra os americanos, aqui
podem fazer o que bem entendem, auferir lucros exorbitantes e
mandar a conta dos que caem
doentes por causa do cigarro para
o SUS? A vida de um cidadão
americano por acaso vale mais do
que a de um brasileiro?
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