São Paulo, domingo, 07 de agosto de 2005

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CRÍTICA

Deboche limita experiências em comédia

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Cláudia Rodrigues é uma humorista ótima; em "A Grande Família" há pelo menos meia dúzia de atores com talento muitíssimo acima da média para a comédia e no entanto... Por que ambos os programas são "quase bons"? (Por "quase bons" entende-se aquela coisa que saiu há tempos da precariedade, mas ainda não chegou exatamente lá.)
Não é a primeira vez que esta coluna chama a atenção para um certo desenxabimento dos roteiros de comédia. É o texto, ou seja, roteiros e diálogos irregulares, que mantêm "A Diarista" e "A Grande Família" ainda no perfil de "quase bons".
Em ambos, a qualidade do roteiro fica bastante aquém do que outros elementos conseguiram consolidar e aperfeiçoar. Cláudia Rodrigues começou com uma interpretação meio caricata (ainda que boa), mas evoluiu para um tipo paródico muito interessante. Os coadjuvantes fixos encontraram personalidade. E olhar irônico para o mundo das "patroas", mesmo que aqui e ali resvale no populismo, conseguiu entrar num território mais sutil de crítica.
Em "A Grande Família" deu-se algo parecido, e, já há um certo tempo, a atração se fixou como uma alternativa simpática. O elenco é, de fato, excelente e foi se afinando com o tempo. O subúrbio estilizado, quase "camp", faz uma espécie de síntese quase que atemporal e ageográfica (as referências são embaralhadas de propósito) da universo da classe média baixa.
Ou seja, tanto "A Diarista" quanto "A Grande Família", em tese, teriam condições de realmente se destacarem na programação e, mais, inaugurar um formato brasileiro de comédia seriada. Só que para isso o roteiro teria que dar realmente um bom salto. Na verdade, dois: um técnico, do modo de fazer, e outro, como dizer, ideológico.
As falhas de construção são várias, mas não graves, e se repetem nos dois programas. Há, às vezes, criatividade para criar a situação, mas o desenvolvimento perde o ritmo; a noção de absurdo resvala no excessivamente inverossímil e, portanto, quase infantil; diálogos poderiam ser mais ácidos, mais inteligentes, mais críticos.
Mas talvez o principal seja repensar que tipo de humor se faz, e essa questão, além de mais complexa, não é exclusiva nem só desses dois programas nem só da televisão. Parece que pesa, sobre o humor feito no Brasil em geral, a obrigatoriedade de ser debochado e desaforado. Fora disso, arrisca-se muito pouco e quem arrisca, como fazia a "TV Pirata", corre o risco de ser tachado de elitista.
OK, deboche é uma possibilidade de humor, sim, e muito constitutiva da cultura brasileira, mas não deveria ser a única. O formato de seriado exige uma variedade muito grande de alternativas para ter fôlego e não se tornar repetitivo. O problema do deboche é que ele sempre faz rir do outro e quase nunca de si mesmo, que é uma fonte mais rica e variada de situações humorísticas.
@ - biabramo.tv@uol.com.br


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