São Paulo, sexta-feira, 07 de agosto de 2009

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CINEMA/ESTREIAS

Crítica/"Marido por Acaso"

Longa fracassa ao querer seguir passos de "Sex and the City"

Sem o sarcasmo e a autogozação típicos da série, longa ultrapassado se resume a comédia de estranhamentos

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

O mapa dos afetos numa metrópole contemporânea foi o eixo que fez de "Sex and the City" uma das mais cultuadas ficções do nosso tempo, hábil em captar as flutuações do desejo, as modas e manias, revelando sentimentos de insatisfação comuns a mulheres e homens. A comédia romântica "Marido por Acaso" tenta seguir os passos de Carrie Bradshaw e companhia. Sem se arriscar no mesmo tanto de sarcasmo e de autogozação, no entanto, o filme limita-se a reproduzir modelos de satisfação ultrapassados.
Uma Thurman é Emma, psicóloga de autoajuda e apresentadora de um programa de rádio no qual responde a dúvidas afetivas seguindo o modelo de fórmulas prontas, com plena crença na veracidade das estatísticas. Assim, Emma aplica a racionalidade e impede seus ouvintes de caírem vítimas dos irracionalismos do coração.
Como prova de que o destino não se controla, os conselhos dela acabam por atrapalhar a vida sentimental de Patrick, um bombeiro que está prestes a se casar com Sofia. Para se vingar, o coitado coloca em risco a iminente união da apresentadora com seu par perfeito, o almofadinha Richard.
As turbulências emocionais, contudo, não chegam, como nos bons momentos de "Sex and the City", a alcançar a perspicácia quase antropológica na representação do narcisismo como veículo das nossas solidões. A graça fica restrita ao esquema clássico da comédia, em que dois tipos aparentemente sem nenhuma identidade são obrigados a conviverem, situação na qual o humor deriva diretamente do estranhamento. Para fazer esse esquema render, a direção habilidosa do bom comediante Griffin Dunne aposta no poder do trio central de atores, na medida para encarnar caricaturas sem que isso diminua o encanto que exercem sobre o público. Uma Thurman e Colin Firth repetem papeis que receberam em Katherine Hepburn e James Stewart suas mais antológicas encarnações, sem, claro, atingir aquele nível de perfeição. Já o menos conhecido Jeffrey Dean Morgan desestabiliza, com seu ar rústico, a imagem ultrabotoxada do par de noivos.
Por trás da aura de divertimento inofensivo, contudo, "Marido por Acaso" é um filme ultrapassado e não só porque repete recursos de uma estética clássica. Enquanto as "comédias de recasamento" dos anos 30 escondiam um jogo subversivo ao ironizar o papel social então designado às mulheres, "Marido por Acaso" tenta nos convencer de que, ao fim de tantas conquistas, o único desejo ainda não realizado das mulheres liberadas do século 21 é ter um homem para chamar de seu.


MARIDO POR ACASO
Direção: Griffin Dunne
Produção: EUA/Reino Unido, 2008
Com: Colin Firth, Jeffrey Dean Morgan e Uma Thurman
Onde: a partir de hoje nos cines Bristol, Frei Caneca, Kinoplex Itaim e circuito
Classificação: 12 anos


Avaliação: regular

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