São Paulo, domingo, 07 de agosto de 2011

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ANÁLISE

Cantora sobrevive em meio ao risco de perda da música caipira

JOSÉ HAMILTON RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como padroeira e madrinha da música caipira, Inezita navega em mar perigoso.
Em todos os gêneros musicais, do coco de roda à música erudita, o número de músicas ruins é maior -muito maior- do que o de boas.
Como os criadores da música caipira são pessoas simples, quase analfabetas, quando eles erram na mão, o erro fica evidente, gritado. Surge uma repulsa. Diz-se então que espingarda de caçador tem dois canos justo para matar dupla caipira.
Mas Inezita é uma estrela. Como todo grande artista, ela tem em volta de si uma aura de carisma, magnetismo -e consciência.
Então sabe que, no universo da música caipira, além da cota inevitável de bagulho, vivem pequenas (e até grandes) joias de melodia, de ritmo e de poesia, a crônica -escrita por gente criativa e até iluminada de boa parte do Brasil, em dado momento.
A música caipira nasceu com o Brasil (a viola portuguesa foi a base) e teve seu apogeu entre os anos 1930 e 60, quando cerca de 80% da população vivia no campo.
Hoje, o povo está quase todo na cidade, cenário e contexto são outros, o mundo andou, mudou, se globalizou.
A música caipira se vê agora diante de três caminhos: 1) cultivar a tradição de uma época que não volta mais; 2) mudar para ser como os "sertanejos modernos", que se apresentam como dupla caipira, mas cujo contexto não é mais rural nem ainda é cosmopolita; 3) engrossar o movimento que, através das orquestras de violeiros (cada grande ou média cidade do centro-sul já tem uma ou mais de uma dessas orquestras) e das aulas de viola até na universidades, valorizar a viola caipira em conjuntos, bandas e mesmo orquestras sinfônicas.
Nesse mundo em mudança, e em risco permanente de perda desse grande patrimônio cultural do povo brasileiro, Inezita sobrevive, sempre em primeiro plano, como atriz, apresentadora de TV e agitadora cultural.
Usa sua voz forte e bonita na interpretação de músicas com segurança e originalidade. Sua gravação (voz e imagem) da "Moda da Pinga", em que ela sugere -com graça, discrição e muito charme- que tomou umas e outras, é inesquecível.
Com 86 anos, Inezita alcançou os patriarcas da música caipira, encabeçados por Raul Torres, de que agora só temos um, Tinoco (da dupla Tonico e Tinoco), fazendo 91 anos agora em novembro.
Inezita conheceu os "patriarcas", conviveu com quase todos eles, a todos reverenciou, de todos recebeu afago. Lida agora com a segunda geração da música caipira, possivelmente a última.
Dino Franco, 74, autor de "Cheiro de Relva" e "Ventania", entre outras mil composições, talvez seja o maior expoente dessa segunda geração. Pois Dino Franco diz que Inezita tem um defeito, o defeito de ser só uma.

JOSÉ HAMILTON RIBEIRO, ganhador de sete prêmios Esso de jornalismo, é repórter do programa "Globo Rural"



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