São Paulo, sexta-feira, 07 de setembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA/ESTRÉIA

"O AMOR NA CIDADE"

"Revista" traz Antonioni e Fellini, entre outros, e mostra vitalidade da produção italiana da época

Episódios revelam embate com o real

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

A idéia de "O Espectador" era compor uma ambiciosa "revista cinematográfica", tendo por objetivo retratar a vida realisticamente, sem maquiagem.
Não é preciso dizer qual o tema de "O Amor na Cidade", primeiro (e aparentemente último) número dessa revista. O essencial, no caso, é o desfile de cineastas relevantes do período: Carlo Lizzani, Michelangelo Antonioni, Dino Risi, Federico Fellini, Francesco Maselli, Alberto Lattuada.
Como em todo filme de episódios, o resultado tende a ser desigual, e não surpreenderá a ninguém que os episódios de Antonioni, Dino Risi e Fellini sobressaiam claramente no conjunto.
São, do grupo, os cineastas que melhor resistiram ao tempo. E o que o filme nos dá é a oportunidade de observar temáticas e modos de abordagem do cinema a que voltariam mais tarde.
Antonioni trabalha sobre uma geração entre o ser e o não-ser, que toma as rédeas da própria vida, uma vez terminada a guerra, e chama a si a responsabilidade de decidir se deve ou não viver.
Fellini se mostra auto-referencial, como de hábito, ao tratar de um repórter que visita uma agência matrimonial e busca descobrir o que levaria uma jovem a se casar com um imaginário homem rico que, às vezes, se transforma numa espécie de lobisomem.
Risi descreve as atividades de uma danceteria, os encontros e desencontros que ali se produzem. É o mais feérico dos episódios e anuncia em alguns aspectos seu filme mais célebre: "Aquele que Sabe Viver" (1962).
Se Antonioni investe na tênue distância que separa o real do imaginário, Fellini mostra sua perplexidade diante de um mundo em transição e, à sua maneira, investe na ausência de linha divisória entre mundo real e mundo sonhado. Risi, por fim, constata a capacidade (ou não) de cada pessoa para enfrentar o mundo.
Há ainda um aspecto a relevar nesse conjunto interessantíssimo: a preocupação expressa pelo locutor de que se está mostrando um mundo real, desprovido de estrelas, feito de gente comum. Tanta atenção ao assunto revela bem como o neo-realismo já duvidava nessa altura da capacidade do cinema de captar e absorver algo definível como real.
Justamente por se tratar de um filme de episódios, fica mais fácil notar a diferença entre o real que de fato interessa (pois formula uma verdade cinematográfica) e um puramente descritivo. É impressionante a vitalidade do cinema italiano do período, o que torna estranha sua decadência atual.

O Amor na Cidade
L'Amore in Cittá
   
Direção: Michelangelo Antonioni, Federico Fellini, Marco Ferreri e outros
Produção: Itália, 1953
Com: Rita Josa, Rosanna Carta
Quando: a partir de hoje no Studio Alvorada



Texto Anterior: Venezianas
Próximo Texto: Teatro: Abreu e Yazbek relêem peregrinações
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.