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Entrevista - Caetano Veloso
Ana Carolina Fernandes/ Folha Imagem
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Caetano, que buscou concisão "punk" |
Eu não sou maluco para reeleger Lula
Caetano Veloso lança "Cê", disco em que utiliza um trio básico de rock; na
entrevista, discute a questão racial e descarta apoiar a reeleição do presidente
"Não sou burro nem maluco", disse Caetano Veloso
à Folha ao justificar sua decisão de não votar em
Lula -o que já não faria, segundo ele, por ser contra a reeleição. "Mas, mesmo se fosse a favor, não
votaria. O escândalo do mensalão foi vergonhoso." Em "Cê", no entanto, o novo CD de Caetano, a
questão política mais explícita está em "O Herói"
(leia letra à direita), que perfaz o caminho de um
militante negro, do ódio à democracia racial. Depois de um álbum inteiro de canções em inglês,
com 23 faixas e orquestra, "Cê" traz 12 canções de
autoria do compositor, todas executadas por ele e
por um trio básico de rock, formado por Pedro Sá,
Marcelo Callado e Ricardo Dias Gomes.
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA
Na entrevista que segue, Caetano Veloso fala sobre a questão racial, critica a esquerda e
diz que não é burro nem maluco para reeleger Lula.
FOLHA - Na música "O Herói"
quem fala é um militante que quer
semear o ódio racial, mas descobre
no final que é o homem cordial. Como você concebeu essa letra?
CAETANO VELOSO - É como se fosse a trajetória de um ativista do
movimento negro que, depois
de se opor a todas as ilusões da
harmonia racial brasileira, termina reafirmando-se como o
homem cordial e instaurador
da democracia racial. É como se
ele atravessasse o processo inteiro e no fim chegasse a uma
coisa a que só um brasileiro poderia chegar.
Eu acho que temos que passar por esses estágios. Quando
eu era menino, vi uma menina
preta, filha de dona Morena,
que morava perto de nossa casa, em Santo Amaro, saindo do
banho com o cabelo sem estar
esticado. Achei lindo. Quando,
nos anos 60, veio a aparecer o
cabelo "black power", eu achei
que era uma realização dos
meus sonhos. Naquela época
eu torcia para que as coisas ficassem mais acirradas e visíveis. E vi pessoas negras e de
grande talento irem muito fundo nessas questões, que eu incentivava. Porém, nunca abandonei a perspectiva da cegueira
para as cores tradicionais no
Brasil, embora tenha servido
para a manutenção da opressão. Mas não era só a isso que
ela servia -e essa é a história.
Eu acho que, no fim das contas, esse movimento, quando
chegar à sua plenitude, se não
houver um desvio alienante,
vai reencontrar esses conteúdos brasileiros, por causa de
nossa muito profunda miscigenação e da tradição de não manifestar o ódio racial.
FOLHA - Você já falou contra a institucionalização do racismo no Brasil à moda dos EUA.
CAETANO - Há muitas vezes
uma vontade, uma necessidade
quase irracional de imitar os
americanos. Por isso eu disse "e
hoje olha os mano" na letra de
"Rock'n'Raul", que é uma grande canção subestimada.
FOLHA - Você tem uma posição clara sobre a proposta de cotas raciais?
CAETANO - Não é 100% clara...
FOLHA - Nem 100% negra... (risos)
CAETANO - Assinei um manifesto para retardar uma possível
aprovação apressada do projeto do Estatuto da Igualdade Racial, que torna a proposta das
cotas mais recusável. Eu acho
que definir os cidadãos brasileiros pela raça em lei não é
uma boa idéia. Quanto às cotas,
não sou muito favorável, mas
acho que algum movimento de
ação afirmativa deve ser feito.
Me parece evidente demais
que, uma vez que os pobres são
majoritariamente negros, se
você fizer um programa de educação e de emprego com vistas
a uma reparação da enorme
distorção produzida pela má
distribuição de renda no Brasil,
os negros estarão automaticamente sendo beneficiados, sem
que haja critério racial e discriminação dos não-negros.
FOLHA - O que você achou do livro
"Não Somos Racistas", do Ali Kamel?
CAETANO - Achei de grande importância, embora negligenciado por alguns. Você sabe como
é: a esquerda tem o velho hábito de só ler aqueles livros que já
concordam com as idéias que
ela tem. Aquelas pessoas que
supostamente são progressistas e que querem a Justiça já se
põem como inimigas do livro, o
que é uma pena. O livro é para
verdadeiramente fazer a discussão caminhar. Pela primeira vez responde-se com rigor
estatístico a exigências que
nasceram por causa da atenção
às estatísticas. A idéia da democracia racial brasileira parecia
um sonho romântico que as estatísticas negavam. E nunca se
respondia com estatísticas,
mas com retórica. O livro pega
a linguagem dos opositores e
traz uma resposta de muita
substância. Descartá-lo demonstra falta de saúde social.
FOLHA - Ao contrário de Chico
Buarque, você já disse que não votará em Lula. Por quê?
CAETANO - Não vou. Não me arrependo de ter votado nele,
mas sou contra a reeleição.
Não votei pela reeleição de
Fernando Henrique, que nos
deu de presente oito anos de
esquerda marxista da USP. E
como eu já estou com 64 anos e
ele e Lula são a mesma coisa,
eu acho que seria demais 16
anos com essa turma.
FOLHA - O sociólogo Gilberto Vasconcellos se referia a "essa turma",
que veio a se dividir entre PT e PSDB,
como a coalizão CUT-USP-Fiesp...
CAETANO - Eu acho essa expressão dele totalmente certa.
FOLHA - Em quem você vota?
CAETANO - Não sei em quem
vou votar. Não gosto de votar
nulo. Eu preferiria que Lula
pelo menos não fosse eleito no
primeiro turno.
FOLHA - Como você vê o escândalo
do mensalão?
CAETANO - Eu acho que foi realmente vergonhoso e ruim. Há
uma certa regressão no país
-que fez o impeachment de
Collor- quando se passa uma
esponja no escândalo do mensalão. Lula e o PT afastaram os
acusados, Lula se disse traído,
mas a cada solenidade de despedida dos que cometeram delitos levantou a voz para dizer loas morais a essas figuras. E
pôs a culpa num possível complô das elites através da mídia,
o que eu acho completamente
incongruente. Eu não sou burro, nem maluco, então não vou
votar nele. Votei em Lula contra Collor no segundo turno,
mas meu candidato não era ele.
Era o Brizola. E continua sendo
(risos). Na última eleição, eu
achei que era a hora de um operário chegar ao poder, de o PT
enfrentar a realidade e de se
desmistificar tudo isso. Se o
Serra tivesse ganhado, ele, que
é um excelente candidato, seria
massacrado por essa mitologia
do Lula, da esquerda e do PT.
Quando justifiquei meu voto
em Lula, disse que esperava
que ele fosse empossado, que
governasse e que passasse a faixa para outro. Continuo pensando da mesma maneira.
FOLHA - É como naquela canção:
"Mamãe eu quero ir a Cuba e quero
voltar"?
CAETANO - Exatamente. E eu
cantei isso em Cuba.
FOLHA - Por que há essa leniência
em relação ao escândalo?
CAETANO - Eu acho que é por
causa da esquerda. A esquerda
é como torcida de futebol. As
pessoas ficam cegas. Eu sou um
simpatizante da esquerda por
sede de harmonia, de dignidade e de Justiça. Mas vejo freqüentemente que a esquerda é
quem mais ameaça essas coisas
que me levaram a me aproximar dela.
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