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Caetano faz opção por poética crua e punk
Haroldo de Campos, Pixies e Sex Pistols são referências no novo disco
Compositor diz que novo disco traz canções sobre melancolia e sexo; álbum também ganha lançamento em vinil com menos canções
DO EDITOR DA ILUSTRADA
Há em "Cê" uma concentração de imagens relacionadas ao
sexo e ao corpo. É na canção
"Homem" que esse campo semântico prevalece de maneira
mais evidente: "Não tenho inveja da maternidade/ nem da
lactação/ Não tenho inveja da
adiposidade/ nem da menstruação/ Só tenho inveja da
longevidade/ e dos orgasmos
múltiplos", diz a primeira estrofe da letra, que, para Caetano, tem jeito de Rita Lee.
Mas em outras letras, essa
poética corpórea também se insinua, em palavras como "buço", "mamilo", "coxa", "nuca"
ou "mucosa" -esta mais de
uma vez, uma delas como adjetivo: "Veio a maior cornucópia
de mulheres/ todas mucosas
pra mim".
"A poética do rock é muito
mais de sexo do que de romance, talvez essa seja uma das razões", diz Caetano. "Nesse disco há muitas canções de melancolia e de sexo, mas não tem
propriamente romance."
Pergunto se não haveria algo
de Haroldo de Campos nas escolhas poéticas do CD. "Sim,
pensei duas vezes nele durante
esse trabalho", diz Caetano,
que cita como um exemplo dessa relação o uso, na letra de
"Musa Híbrida", da expressão
"cúprica" [referente a cobre]
-que soa, de fato, bastante "haroldiana".
Outra explicação para essas
opções seria a intenção deliberada, alimentada em antigas
conversas com Pedro Sá, de fazer um CD com "linguagem
poética muito crua". "Há um
tempo o Pedro me mostrou um
disco dos Pixies, que foi gravado a partir de um programa para a BBC. É um negócio tão coeso e sucinto que ele próprio
comparou a João Gilberto. Eu
queria fazer canções curtas,
com imagens que fossem pouco
sentimentalóides."
Pedro Sá acompanha Caetano desde "Noites do Norte"
(2000). Ao lado de Moreno Veloso, é o responsável pela produção musical do CD, além de
tocar guitarra e baixo. "Caetano
chegou com algumas canções
prontas, outras encaminhadas,
e eu decidi chamar o Ricardo
Dias Gomes [baixo e piano
Rhodes] e o Marcelo Callado
[bateria]. Ele não conhecia os
dois, mas as coisas foram fáceis
e rápidas nos ensaios e no estúdio. É um disco tocado, nada foi
acrescentado depois", diz.
Além dos Pixies, Caetano
menciona o Sex Pistols como
um exemplo de crueza e concisão punk. "Se você for ler meu
livro, "Verdade Tropical", verá
que esse gosto pelo punk está
lá. Eu dizia que gostava de Sex
Pistols, assim como de Stevie
Wonder e Bob Marley. Marley
e punk têm em comum o uso de
poucos elementos. Stevie Wonder, não. É mais enfeitadiço,
mas é bom, maravilhoso."
A crueza proclamada pelo
compositor não deixa de ter
acentuada inclinação literária,
que inclui até o uso lusitano da
língua. Na música "Porquê?"
(assim mesmo com acento, como escrevem os portugueses),
a curta letra repete a frase "estou-me a vir", que é a maneira
como em Portugal se diz que o
orgasmo está se aproximando.
"Gosto de trazer para o Brasil
esses usos portugueses da língua", diz Caetano.
Não se deve esquecer que
"Cê" foi realizado sob o signo da
separação do casal Caetano e
Paula Lavigne. Ele diz que apenas duas canções do disco são
autobiográficas. A primeira é a
melancólica e bela "Minhas Lágrimas". A outra, que já toca
nas rádios, é "Não Me Arrependo", que fala da separação e
evoca Raul Seixas e Bob Dylan.
"Eu estou apaixonado por
Bob Dylan, adorei aquele documentário sobre ele feito pelo
Martin Scorsese. Timidamente, até insinuei uma imitação
do jeito dele cantar em "Não Me
Arrependo'", diz Caetano.
Outra referência presente no
CD é o rock dos anos 80. Há alguma coisa de "Velô" em "Cê"
-que de certa forma é um "Re-Velô". "Se alguém achar que o
ar de revisão do rock dos anos
80 sob um certo critério punk é
um lugar comum dos grupos
atuais que não evitei adotar em
muitos momentos, estará certo", escreve Caetano num texto
que acompanha o CD.
Versão em vinil
Numa iniciativa pouco usual,
"Cê" também será lançado em
vinil. A idéia é de Pedro Sá e
Moreno. "Não é uma onda nostálgica", diz Sá. "Ele vai ter cara
de uma coisa atual, não de um
disco antigo. Muita gente curte", diz ele, que embora não tenha nada contra o uso de formatos como MP3, considera o
som do vinil mais amplo e melhor. Nessa versão, "Cê" contará com apenas dez canções.
Saem "Porquê?" e "O Herói". O
disco está sendo prensado naquela que seria a última fábrica
de vinil do país, localizada na
Baixada Fluminense.
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