São Paulo, quinta-feira, 07 de setembro de 2006

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Caetano faz opção por poética crua e punk

Haroldo de Campos, Pixies e Sex Pistols são referências no novo disco

Compositor diz que novo disco traz canções sobre melancolia e sexo; álbum também ganha lançamento em vinil com menos canções


DO EDITOR DA ILUSTRADA

Há em "Cê" uma concentração de imagens relacionadas ao sexo e ao corpo. É na canção "Homem" que esse campo semântico prevalece de maneira mais evidente: "Não tenho inveja da maternidade/ nem da lactação/ Não tenho inveja da adiposidade/ nem da menstruação/ Só tenho inveja da longevidade/ e dos orgasmos múltiplos", diz a primeira estrofe da letra, que, para Caetano, tem jeito de Rita Lee.
Mas em outras letras, essa poética corpórea também se insinua, em palavras como "buço", "mamilo", "coxa", "nuca" ou "mucosa" -esta mais de uma vez, uma delas como adjetivo: "Veio a maior cornucópia de mulheres/ todas mucosas pra mim".
"A poética do rock é muito mais de sexo do que de romance, talvez essa seja uma das razões", diz Caetano. "Nesse disco há muitas canções de melancolia e de sexo, mas não tem propriamente romance."
Pergunto se não haveria algo de Haroldo de Campos nas escolhas poéticas do CD. "Sim, pensei duas vezes nele durante esse trabalho", diz Caetano, que cita como um exemplo dessa relação o uso, na letra de "Musa Híbrida", da expressão "cúprica" [referente a cobre] -que soa, de fato, bastante "haroldiana".
Outra explicação para essas opções seria a intenção deliberada, alimentada em antigas conversas com Pedro Sá, de fazer um CD com "linguagem poética muito crua". "Há um tempo o Pedro me mostrou um disco dos Pixies, que foi gravado a partir de um programa para a BBC. É um negócio tão coeso e sucinto que ele próprio comparou a João Gilberto. Eu queria fazer canções curtas, com imagens que fossem pouco sentimentalóides."
Pedro Sá acompanha Caetano desde "Noites do Norte" (2000). Ao lado de Moreno Veloso, é o responsável pela produção musical do CD, além de tocar guitarra e baixo. "Caetano chegou com algumas canções prontas, outras encaminhadas, e eu decidi chamar o Ricardo Dias Gomes [baixo e piano Rhodes] e o Marcelo Callado [bateria]. Ele não conhecia os dois, mas as coisas foram fáceis e rápidas nos ensaios e no estúdio. É um disco tocado, nada foi acrescentado depois", diz.
Além dos Pixies, Caetano menciona o Sex Pistols como um exemplo de crueza e concisão punk. "Se você for ler meu livro, "Verdade Tropical", verá que esse gosto pelo punk está lá. Eu dizia que gostava de Sex Pistols, assim como de Stevie Wonder e Bob Marley. Marley e punk têm em comum o uso de poucos elementos. Stevie Wonder, não. É mais enfeitadiço, mas é bom, maravilhoso."
A crueza proclamada pelo compositor não deixa de ter acentuada inclinação literária, que inclui até o uso lusitano da língua. Na música "Porquê?" (assim mesmo com acento, como escrevem os portugueses), a curta letra repete a frase "estou-me a vir", que é a maneira como em Portugal se diz que o orgasmo está se aproximando. "Gosto de trazer para o Brasil esses usos portugueses da língua", diz Caetano.
Não se deve esquecer que "Cê" foi realizado sob o signo da separação do casal Caetano e Paula Lavigne. Ele diz que apenas duas canções do disco são autobiográficas. A primeira é a melancólica e bela "Minhas Lágrimas". A outra, que já toca nas rádios, é "Não Me Arrependo", que fala da separação e evoca Raul Seixas e Bob Dylan.
"Eu estou apaixonado por Bob Dylan, adorei aquele documentário sobre ele feito pelo Martin Scorsese. Timidamente, até insinuei uma imitação do jeito dele cantar em "Não Me Arrependo'", diz Caetano.
Outra referência presente no CD é o rock dos anos 80. Há alguma coisa de "Velô" em "Cê" -que de certa forma é um "Re-Velô". "Se alguém achar que o ar de revisão do rock dos anos 80 sob um certo critério punk é um lugar comum dos grupos atuais que não evitei adotar em muitos momentos, estará certo", escreve Caetano num texto que acompanha o CD.

Versão em vinil
Numa iniciativa pouco usual, "Cê" também será lançado em vinil. A idéia é de Pedro Sá e Moreno. "Não é uma onda nostálgica", diz Sá. "Ele vai ter cara de uma coisa atual, não de um disco antigo. Muita gente curte", diz ele, que embora não tenha nada contra o uso de formatos como MP3, considera o som do vinil mais amplo e melhor. Nessa versão, "Cê" contará com apenas dez canções.
Saem "Porquê?" e "O Herói". O disco está sendo prensado naquela que seria a última fábrica de vinil do país, localizada na Baixada Fluminense.


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