São Paulo, quinta-feira, 07 de setembro de 2006

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crítica

Disco de peso, "Cê" traz músicas com fundos falsos

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

"Cê" é mais um "disco de Caetano" do que um "disco de rock", como está sendo chamado -até pelo próprio, embora com ressalvas. Nem todas as faixas têm uma sonoridade claramente de rock, e não há uma apologia ao gênero. Há, sim, a adoção de uma postura rock, a começar pelo trio guitarra-baixo-bateria que é a base do CD.
É "disco de Caetano" porque mantém, para usar palavras que ele adota no release, a "atitude desabusada" nascida no tropicalismo e um "interesse pela cultura de massas dominante" sem submeter-se a ela.
É, ainda, pela quebra de expectativas. Se alguém achava que "A Foreign Sound" (2004) era uma rendição sessentona à música bela e límpida, Caetano vem agora com o avesso da grande canção norte-americana: os sons rústicos do mundo pop e o universo adolescente.
Pode parecer, então, que ele está buscando o elixir da juventude, com medo da maturidade que deve torná-lo tão propenso a fazer coisas nitidamente belas -como Chico Buarque, apesar das assimetrias, não consegue deixar de fazer.
Mas não há muitos sinais de "síndrome de Peter Pan" em "Cê" porque as músicas têm fundos falsos. "Odeio", por exemplo, sob seu refrão simples ("Odeio você") e sua evocação dos sons eletrônicos, esconde uma letra rica de contrastes e um violão suave. "Deusa Urbana", com seu jeito de balada teen, é adulta nas dualidades e até na adoração lúbrica da "deusa" -babar bem é uma arte que exige certo tempo de vida. E "Não Me Arrependo" fala de um casal com história: "Vejo essas novas pessoas/ Que nós engendramos em nós/ E de nós". Além disso, é um rock anos 60, bem Raul Seixas, um pouco Bob Dylan, algo até Roberto/Erasmo.
Ainda há duas canções fortes em que Caetano usa o rock como pano de fundo. Na sofrida "Minhas Lágrimas" -que parece o espelho agudo de "José", do disco "Caetano" (86)- é um rock-country desértico, como pede a letra.
Em "Waly Salomão", o arranjo lembra os góticos ingleses, mas a bateria também evoca "os tambores de Vigário Geral", referência ao AfroReggae, grupo que tinha Salomão como mentor e tocou no velório do poeta, na Biblioteca Nacional. A postura rock é mais clara no som e no linguajar de "Rocks" ("Você foi mor [maior] rata comigo"), na macheza divertida de "Homem" ("Só tenho inveja da longevidade/ E dos orgasmos múltiplos") e no erotismo jocoso de "Outro" ("Feliz e mau como um pau duro") e "Porquê?" ("Estou-me a vir", expressão lusitana para indicar o orgasmo).
E tudo termina com um rap complexo, cantando por um ambíguo homem negro, com ironias várias, inclusive às cotas raciais e a Lula ("Depois do fim do medo e da esperança").
Se "Cê" não tem "aquela nova do Caetano" e perde na comparação com "Livro" e "Noites do Norte" pela proposital ligeireza de seu conceito, acaba forte com a polêmica e política "Um Herói". Ela indica que o CD tem mais peso do que supõe a vã filosofia pop.


   
Artista: Caetano Veloso
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 40, em média


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