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crítica
Disco de peso, "Cê" traz músicas com fundos falsos
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
"Cê" é mais um "disco
de Caetano" do que
um "disco de rock",
como está sendo chamado
-até pelo próprio, embora com
ressalvas. Nem todas as faixas
têm uma sonoridade claramente de rock, e não há uma apologia ao gênero. Há, sim, a adoção
de uma postura rock, a começar
pelo trio guitarra-baixo-bateria
que é a base do CD.
É "disco de Caetano" porque
mantém, para usar palavras
que ele adota no release, a "atitude desabusada" nascida no
tropicalismo e um "interesse
pela cultura de massas dominante" sem submeter-se a ela.
É, ainda, pela quebra de expectativas. Se alguém achava
que "A Foreign Sound" (2004)
era uma rendição sessentona à
música bela e límpida, Caetano
vem agora com o avesso da
grande canção norte-americana: os sons rústicos do mundo
pop e o universo adolescente.
Pode parecer, então, que ele
está buscando o elixir da juventude, com medo da maturidade
que deve torná-lo tão propenso
a fazer coisas nitidamente belas -como Chico Buarque, apesar das assimetrias, não consegue deixar de fazer.
Mas não há muitos sinais de
"síndrome de Peter Pan" em
"Cê" porque as músicas têm
fundos falsos. "Odeio", por
exemplo, sob seu refrão simples ("Odeio você") e sua evocação dos sons eletrônicos, esconde uma letra rica de contrastes e um violão suave.
"Deusa Urbana", com seu jeito de balada teen, é adulta nas
dualidades e até na adoração
lúbrica da "deusa" -babar bem
é uma arte que exige certo tempo de vida. E "Não Me Arrependo" fala de um casal com história: "Vejo essas novas pessoas/
Que nós engendramos em nós/
E de nós". Além disso, é um
rock anos 60, bem Raul Seixas,
um pouco Bob Dylan, algo até
Roberto/Erasmo.
Ainda há duas canções fortes
em que Caetano usa o rock como pano de fundo. Na sofrida
"Minhas Lágrimas" -que parece o espelho agudo de "José",
do disco "Caetano" (86)- é um
rock-country desértico, como
pede a letra.
Em "Waly Salomão", o arranjo lembra os góticos ingleses,
mas a bateria também evoca
"os tambores de Vigário Geral",
referência ao AfroReggae, grupo que tinha Salomão como
mentor e tocou no velório do
poeta, na Biblioteca Nacional.
A postura rock é mais clara
no som e no linguajar de
"Rocks" ("Você foi mor [maior]
rata comigo"), na macheza divertida de "Homem" ("Só tenho inveja da longevidade/ E
dos orgasmos múltiplos") e no
erotismo jocoso de "Outro"
("Feliz e mau como um pau duro") e "Porquê?" ("Estou-me a
vir", expressão lusitana para indicar o orgasmo).
E tudo termina com um rap
complexo, cantando por um
ambíguo homem negro, com
ironias várias, inclusive às cotas raciais e a Lula ("Depois do
fim do medo e da esperança").
Se "Cê" não tem "aquela nova
do Caetano" e perde na comparação com "Livro" e "Noites do
Norte" pela proposital ligeireza
de seu conceito, acaba forte
com a polêmica e política "Um
Herói". Ela indica que o CD tem
mais peso do que supõe a vã filosofia pop.
CÊ
Artista: Caetano Veloso
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 40, em média
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