São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2008

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MÔNICA BERGAMO

bergamo@folhasp.com.br

Fotos Roberto Price/Folha Imagem
Deborah Colker faz os últimos ajustes na coreografia de "Cruel", antes de estrear em SP

Ensaio com Deborah Colker

Primeira mulher a dirigir um espetáculo do Cirque du Soleil, a coreógrafa brasileira Deborah Colker divide-se entre o Canadá, para onde se muda em 2009, e o Brasil, onde acompanha a montagem "Cruel", que estréia em São Paulo no dia 12

Atrasada para a aula de balé clássico junto à companhia de dança que leva seu nome, na quarta-feira, no Rio, a bailarina e coreógrafa Deborah Colker passa correndo pela sala de ensaio em direção ao escritório. "Começa, começa. Não me espera, não." Três dias antes, ela estava em Montreal, acertando detalhes do primeiro espetáculo que dirigirá para o Cirque du Soleil. Enquanto isso, seu corpo de baile excursionava pelo nordeste brasileiro com a peça "Cruel", que estréia no dia 12, no teatro Alfa, em São Paulo. No galpão espelhado e com iluminação natural, a primeira bailarina do Teatro Municipal do Rio, Nora Esteves, mostra aos 16 dançarinos que se alongam nas barras móveis os primeiros movimentos que serão trabalhados no dia. "E um e dois e plié, relevé...estica." Deborah se incorpora ao grupo para também fazer a aula.

 
A aluna-mestra tenta acompanhar a turma com movimentos exagerados. Perde o compasso do grupo. "Baixinho, Deborah. Não precisa saltar tão alto", orienta Nora. A seqüência de exercícios é tão puxada que uma bailarina cai no chão, zonza, após uma série de rodopios. Deborah não sossega. Nos rápidos intervalos da aula, aproveita para preparar a aula que dará em seguida. Emenda passos de xaxado ao balé clássico, ondula o corpo de forma sinuosa, contorce o braço por detrás da cabeça e faz movimentos bruscos com as pernas. "Ela sempre cria na hora", conta a assistente Karina Mendes. A música clássica dá espaço a um rap americano.
Deborah assume o comando. "Vai, abraça. Redondo! Balança, balança, pressão! Cresce", orienta.
 
A filha, Clara, 24, coordenadora do Centro de Movimento Deborah Colker -misto de escola de dança e centro cultural que leva o nome da coreógrafa no bairro da Glória-, aproveita uma pausa do treino para pedir um espaço na agenda da mãe. "É difícil a gente conseguir conversar. Ela está sempre trabalhando", diz ela, que preferiu estudar design a seguir a dança. "Você passaria o dia todo rolando e suando? Eu, hein! É ralação demais! Fora que ser da companhia da minha mãe não é mole, não. Ela é uma carrasca."
 
Durante os ensaios de "Cruel" e "Rota", espetáculo criado em 1997, no qual os bailarinos se movimentam em uma roda de ferro e que ainda hoje excursiona mundo afora, Deborah é só sorrisos. "Ela anda bem humorada", diz um bailarino. E um tanto distante do dia-a-dia da própria companhia. Desde o começo de 2007, quando aceitou o desafio de ser a primeira mulher a dirigir um espetáculo do Cirque du Soleil, ela viaja mensalmente ao Canadá, para onde se muda em janeiro para acompanhar os três últimos meses de ensaio.
 
"O espetáculo é uma coisa viva, como um bebê. Ele vai se modificando com o tempo, mesmo depois da estréia. A gente precisa ficar atento", afirma Deborah, que contará com a ajuda da ensaiadora Jacqueline Motta para, digamos, incrementar o rebolado dos 44 acrobatas da trupe, "pouco acostumados a fazer movimentos diferentes de seus números".
 
Marcado para estrear no dia 23 de abril, em Montreal, o novo show do grupo circense, inspirado no mundo dos insetos, já tem turnê programada. Primeiro, vai para Toronto e Quebec. Depois, faz seis cidades americanas, entre elas Los Angeles, NY e San Francisco, e parte rumo à Ásia. O Brasil, por enquanto, não faz parte dos planos. "Seria bom, né", diz ela, sem saber ao certo por onde começar para fazer o lobby dentro da estrutura internacional. "São tantos departamentos...".
 
Enquanto analisa no computador o DVD com o teste de um dos últimos palhaços a serem contratados, Deborah discorre sobre seu "grande bebê", o Centro de Movimento. "A escola não dá sucesso, não dá dinheiro, mas é uma cozinha que une conhecimento com experiência criativa", afirma. Segundo ela, mais de 70 alunos hoje são bolsistas, sem que haja qualquer parceria com ONGs. "Não viso só quem quer ser bailarino, mas quem quer dançar. Porque a dança está ligada à saúde do corpo e do espírito."
 
No fim do dia, um fã pede para vê-la. Diz que é artista plástico, figurinista, maquiador e que, mesmo sem saber "fazer uma pirueta", adoraria ter "uma bolsa de estudos porque gosto de dança". Deborah não perde o rebolado. "Olha só, eu acredito no escambo. Temos uma apresentação com 200 alunos da escola no fim do ano e vamos precisar de mão-de-obra", dá a deixa. "Odeio mendigo, pedinte. As pessoas têm que ter vontade de trabalhar."
 
"Faz uma semana que não vejo "Cruel", fico com uma saudade!", diz a ex-jogadora de vôlei e pianista, que começou a coreografar para o teatro nos anos 80, a convite de Dina Sfat. O início da temporada paulista deixa Deborah tensa. "Parece que estamos estreando de novo", diz, sobre a peça que de fato já excursiona pelo Brasil desde março. Segundo ela, "Cruel" nasceu do espetáculo "Nó" (2005), que falava do desejo. "Fiz uma lista do que é cruel, a vida, o amor. Tem coisa mais cruel do que o espelho?", pergunta, citando um dos objetos cênicos da montagem. Desta vez, o espetáculo é cruel também para ela. Afinal, é o primeiro em que não estará no palco como bailarina.

Reportagem de JULIANA BIANCHI


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