São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2008

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Diretor estréia em longas com façanha técnica

Com R$ 1 milhão, o gaúcho Gustavo Spolidoro filmou os 81 minutos de "Ainda Orangotangos" em seqüência ininterrupta

Cineasta, que abandonou carreira na publicidade, prepara agora dois filmes nos quais executará sozinho todas as funções técnicas

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

No verso de sua mão esquerda, o diretor gaúcho Gustavo Spolidoro anotou um lembrete para si mesmo, ao desembarcar em São Paulo, na última terça-feira: "Comprar um terno".
Aos 36 anos, ele decidiu incluir o traje no guarda-roupas, já que tem "muitas formaturas" para ir, agora que é professor de cinema na PUC-RS.
"E também porque eu me senti mal no Festival de Roterdã [em janeiro passado], onde todo mundo estava de terno e eu, com minhas roupas coloridas e tênis rasgados", conta.
O ar jovial de Spolidoro é característica também de seu primeiro longa, "Ainda Orangotangos", cuja estréia internacional ocorreu no festival holandês e que está em cartaz em São Paulo desde a última sexta.
Pequena façanha técnica, "Ainda Orangotangos" é um plano-seqüência de 81 minutos. Isso quer dizer que a história foi filmada de um golpe só, sem interrupção da ação dos atores e do funcionamento da câmera.
São, na verdade, várias histórias que se interpenetram em Porto Alegre, adaptadas do livro homônimo de Paulo Scott. A produção custou R$ 1 milhão, obtidos em prêmio do MinC.
Spolidoro estreou em 1999, com o curta "Velinhas", exibido no Festival de Berlim, que fez dele uma promessa na direção. O diretor, no entanto, começava a carreira incerto de seu lugar no cinema.
De início, a atividade de crítico era a que mais o atraía. Cinéfilo praticante, foi estudar publicidade porque não havia cursos de cinema em Porto Alegre, no início dos anos 90.
A experiência como publicitário, no entanto, foi "traumática" e durou apenas um ano, no qual ele desobedeceu diversas vezes o conselho de "não arrumar briga com os clientes". Em geral, os atritos surgiam porque o diretor se recusava a acatar decisões das quais discordava.

"Classe média-média"
"Venho da classe média-média. Nunca tive regalias, mas aprendi a lutar pelo que quero", afirma. Hoje, vivendo dos filmes que faz e das aulas na PUC, há três coisas que Spolidoro não admite fazer: publicidade; campanha política para um partido de centro-direita (já trabalhou para o PT); ou um filme para o Grêmio.
Com o também torcedor colorado Giba Assis Brasil, ele rodou o documentário "Gigante -°Como o Inter Conquistou o Mundo" (2007), sem pretensões de marcar um tento em linguagem cinematográfica. "Fiz o filme que eu, como colorado, gostaria de ver e chorar."
Em "Ainda Orangotangos", ele também tempera seu gosto por "experimentações, porque se for fácil não tem graça" com a atenção ao repertório do público comum de cinema. Acha que essa é uma forma de respeitar sua origem familiar, de traço "popular, não-intelectual".

Repressão sexual
Em Cotiporã (4.000 habitantes), cidade do interior gaúcho onde vive sua avó e que um dia se chamou Monte Vêneto, ele pretende fazer neste ano dois filmes, um ficcional ("Monte Vêneto - A História Real") e outro documental ("Monte Vêneto - A História Inventada"). Com eles, quer investigar como "adolescentes do interior, que vivem sob repressão religiosa e sexual", enfrentam a passagem para a vida adulta. O que pretende encontrar é "a liberdade dos jovens, não a doença".
Na forma cinematográfica, a experimentação que planeja desta vez é a de executar sozinho todas as funções técnicas do filme. Mas não quer, com isso, abandonar o método de fazer cinema em equipe. "Nunca acreditei em carreira solo."


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