São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2008

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Crítica/DVD/"Os Inconfidentes"

Cineasta revisita Inconfidência com ironia

COLUNISTA DA FOLHA

Em 1972 o Brasil, no momento mais duro do regime militar, comemorava de maneira ufanista o Sesquicentenário da Independência. Pouco antes, o então ministro da Educação, Jarbas Passarinho, conclamara os cineastas brasileiros a fazer filmes sobre temas históricos. "Os Inconfidentes" é, por um lado, a resposta marota de Joaquim Pedro de Andrade a essa convocação. Por outro lado, é uma reflexão ousada e dolorosa sobre as ações e hesitações dos intelectuais em tempos de transformação política. Baseado nos chamados "autos da devassa" e lançando mão fartamente dos poemas dos próprios inconfidentes, o filme retrata com ironia e distanciamento brechtianos o cipoal de intrigas e traições que resultou na revolução abortada e no enforcamento de Tiradentes (interpretado por José Wilker).

Balé da conspiração
Em contraste com a exuberância tropicalista do longa-metragem anterior do cineasta, "Macunaíma" (1969), "Os Inconfidentes" é marcado pelo rigor da "mise-en-scène" e por um humor crispado. Com movimentos longos e lentos, a câmera acompanha o balé dos conspiradores nas idas e vindas de seus conchavos, configurando uma sutil e complexa coreografia moral. A postura dos personagens é quase hierática, a dicção é de tribuna. É como se eles falassem conscientemente para a posteridade. O que dá vida, pulsação e verdade a esses revolucionários de gabinete é, a par da ambientação nas cidades históricas e montanhas de Minas Gerais, a extraordinária competência de um punhado de atores: Fernando Torres, morto na última quinta-feira, no papel de Claudio Manuel da Costa; Luís Linhares (Tomás Antônio Gonzaga), Paulo César Pereio (Alvarenga Peixoto), Nelson Dantas (Padre Toledo). Nesse ambiente de modesta aristocracia, em que os escravos negros aparecem quase como parte da mobília das casas, a figura de Tiradentes é um corpo estranho e até incômodo, uma espécie de porra-louca que parece ser o único a acreditar de fato na insurreição. Mantida sob rédea curta, a ironia se manifesta em alusões sutis ao momento político em que o filme foi feito (o papel dos militares, a dependência externa, a situação dos presos políticos), até explodir no final, em que se exibe um cinejornal chapa-branca sobre as comemorações da Inconfidência. O anacronismo invade a tela como uma agressão. O DVD tem extras preciosos: o curta-metragem restaurado "O Aleijadinho" (1978), de Joaquim Pedro, com texto e roteiro de Lucio Costa, e uma entrevista esclarecedora do crítico Jean-Claude Bernardet. (JOSÉ GERALDO COUTO)


DVD: OS INCONFIDENTES
Distribuidora: Videofilmes
Quanto: R$ 49,90
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 12 anos
Avaliação: ótimo



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