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ENTREVISTA DA 2ª
ELLIOTT ERWITT
"Uma boa foto tem substância e certa magia"
Elliott Erwitt, referência da agência Magnum, fundada por Cartier-Bresson, reclama das imagens fajutas da atualidade
NOME CENTRAL da agência Magnum, referência do fotojornalismo mundial, o fotógrafo francês radicado em Nova York
Elliott Erwitt fala de sua desilusão com
fotos fabricadas e cores saturadas "para vender Sucrilhos e automóveis". Reclama da falta de dedicação dos
fotógrafos profissionais e revela como retratou Marilyn Monroe, Che Guevara, Simone de Beauvoir, Arnold Schwarzenegger, terriers e chiuauas.
Elliott Erwitt/Magnum Photos
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"SENHORITA MONROE"
A atriz Marilyn Monroe retratada em 1960, nas filmagens de
"Os desajustados", de John Houston
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Não vaza para a vida real o
bom humor das fotografias de
Elliott Erwitt. Famoso por seus
retratos de cães e por congelar
a irreverência em imagens em
preto e branco, faz algumas décadas que este francês radicado
em Nova York reclama da morte da boa fotografia. Diz se sentir hoje um "taxista à espera de
um destino" em vez de ser um
inventor por trás da objetiva.
Aos 81, Erwitt está entre os
membros mais longevos da
agência Magnum, referência no
fotojornalismo mundial, que
teve Henri Cartier-Bresson entre seus fundadores. É uma influência que ele não renega,
mas não gosta muito da ideia de
mentores -talvez porque um
aluno seu fugiu com sua mulher depois de algumas aulas.
Impaciente, rabugento, Erwitt fala pouco. Diz ser um fotógrafo que tira fotos com uma
câmera. Só isso. Desde o início
de sua carreira nos anos 50, cobriu um amplo espectro do fazer fotográfico -da dureza das
fotos oficiais da Standard Oil
Company a retratos de Che
Guevara e Marilyn Monroe.
Já publicou 17 livros de fotos,
quatro deles sobre cachorros.
Desiludido com as manipulações da fotografia digital e cores
saturadas "para vender Sucrilhos", está lançando agora sob
pseudônimo um livro de "fotografias toscas, flores, retratos".
Antes de embarcar para São
Paulo, onde participa da feira
SP Arte/Foto a partir desta
quarta, Erwitt falou à Folha,
por telefone, de Nova York.
FOLHA - O sr. já fotografou todo tipo de tema, mas sempre retrata cachorros. Acredita que cães são tão
interessantes quanto os humanos?
ELLIOTT ERWITT - Muitas vezes,
sim. Cachorros não dão desculpas e não se incomodam. São
seres simpáticos, como o meu
cairn terrier Sammy, que aparece aqui e ali no meu trabalho.
FOLHA - Os cachorros nas suas imagens foram sua forma de inserir um
pouco de humor no fotojornalismo?
ERWITT - Não acordo de manhã
e decido ser engraçado. Algumas das minhas fotografias são
engraçadas, outras não. Muitos
fotógrafos se concentram nas
misérias do mundo, outros nas
coisas mais belas. Eu só gosto
de boas fotografias, não importa do que sejam, contanto que
falem da condição humana.
FOLHA - E o que é uma boa fotografia na sua opinião?
ERWITT - Uma boa foto tem de
ser bem composta, ter substância e algum tipo de magia que
não se pode explicar. Hoje as
pessoas são muito desajeitadas
ao fotografar. Certo formalismo ainda é importante, mas
conteúdo também. Só fotos que
têm os dois são memoráveis.
FOLHA - Não pensa que a fotografia digital, com a facilidade de reprodução, tenha banalizado esse tipo
de memória fotográfica?
ERWITT - Tenho a sensação que
o digital só tornou as pessoas
más fotógrafas. Serviu para que
amadores pudessem tirar fotos,
mas fez os profissionais ficarem folgados demais. Há muito
menos pensamento hoje. Você
pode dar uma câmera digital a
um orangotango e conseguir
resultados melhores do que
com uma pessoa.
FOLHA - Não acredita que o sr. resiste muito às mudanças?
ERWITT - Nada mudou. Muitas
das minhas boas fotografias são
as mesmas agora que eram há
50 anos. O interesse essencial
não mudou e não vai mudar.
Pode ser monótono para outros, porque agora está na moda ser "cool" e atual, mas não
me interessa ser "cool" e atual.
Não sou tão conservador, só
acredito em regras na fotografia. Se você está fotografando,
tem responsabilidades. Tem de
fazer um trabalho honesto.
FOLHA - Há muita discussão sobre
a veracidade de imagens feitas agora e também de algumas clássicas,
como as da Guerra Civil Espanhola,
de Robert Capa, alvo de suspeitas de
fraude. Ser honesto é não manipular
imagens?
ERWITT - Se você quer ser fotógrafo, manipular imagens é
uma coisa terrível. Isso ficou fácil demais e virou algo quase
criminoso, e ao mesmo tempo
muito "cool", muito atual. Acho
que tudo bem, contanto que
não chame isso de fotografia.
FOLHA - O que é fotografia então?
ERWITT - Fotografia é o que está
ali, não o que você inventa na
tela do computador. Isso vale se
você quer vender Sucrilhos ou
um automóvel, mas é preciso
dizer que você quer vender Sucrilhos ou um automóvel. O
que é especial em fotografia é
que é real, não que você voltou
para um quartinho e fabricou
algo. Isso não é fotografia.
FOLHA - Como foram feitos seus
retratos de celebridades?
ERWITT - Foram feitos com uma
câmera. Não há mistério, você
vai lá, encontra a pessoa e tenta
fazer uma foto que tenha a ver
com a personalidade dela, mas
é uma questão de sorte e simpatia. Quando vê alguém famoso
ou qualquer outra pessoa que
vai retratar, você tenta formar
uma opinião sobre a pessoa.
FOLHA - Quais foram suas opiniões
sobre Marilyn Monroe?
ERWITT - Tentei fazer com que
as circunstâncias influenciassem mais o retrato do que meus
preconceitos. Fotografei a senhorita Monroe nas filmagens
do filme "Os Desajustados".
Era uma atmosfera caótica, por
causa do comportamento da
grande estrela que ela era. Estava muito estressada e chegava
sempre atrasada às filmagens,
despreparada. Mas diante da
câmera, pareceu muito gentil,
simpática, mesmo louca.
FOLHA - E como foi com Arnold
Schwarzenegger?
ERWITT - Ele veio ao meu apartamento em Nova York para
ser fotografado. Na época, ele
só era conhecido como fisiculturista. Foi agradável o suficiente e falava com aquele sotaque austríaco engraçado que
ele tem até hoje. Só achei tudo
muito bobo, o culto ao corpo.
FOLHA - Muito diferente então de
quando fotografou Jack Kerouac ou
Simone de Beauvoir?
ERWITT - Faz mais de 50 anos
que fotografei Simone de Beauvoir. Só lembro que era uma
pessoa atraente e muito séria.
O Kerouac eu fotografei antes
que se tornasse hippie. Parecia
um autor sério, esperto, com
um casaco Harris Tweed.
FOLHA - Foram todos retratos em
preto e branco. O sr. usou cor só agora que fez um livro sob pseudônimo.
Por quê?
ERWITT - Prefiro preto e branco
para meu trabalho sério. Não
tenho nada contra a cor, só
acho que preto e branco é mais
bonito. Nesse livro colorido, só
estou me divertindo.
FOLHA - Mas o sr. só se diverte
quando está ironizando algo?
ERWITT - Gosto da minha vida.
A fotografia é minha profissão e
meu hobby. Não penso nessas
coisas. Sou só um fotógrafo, não
fico filosofando, sou apenas um
fotógrafo. Só tiro fotos.
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