|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CONTARDO CALLIGARIS
A cura da homossexualidade
A Assembléia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro
se apresta a votar um projeto de
lei, do deputado Edino Fonseca,
que cria o Programa de auxílio às
pessoas que voluntariamente optarem pela mudança (...) de sua
orientação sexual da homossexualidade para a heterossexualidade.
Para implementar o programa,
"o poder público estabelecerá
convênios com organizações governamentais, não governamentais, Associações Civis, religiosas,
profissionais liberais e autônomos". Ou seja, o dinheiro público
financiará os que se propõem a
converter homossexuais em heterossexuais.
O projeto afirma que o programa não é discriminatório, pois se
destina aos homossexuais que desejarem mudar de orientação. No
caso dos menores, a reserva não
vale. Não será preciso que os adolescentes homossexuais desejem
mudar de orientação, bastará a
vontade de pais ou tutores. Seu filho tem trejeitos? Chame o governo; ele dará conta das frescuras
do menino.
A Comissão de Constituição e
Justiça deu parecer favorável: "A
proposição é de relevante cunho
social e não esbarra em preceitos
constitucionais".
Muito bem, vou fundar o Instituto Michael Jackson para a
transformação de negros em
brancos (claro, só os negros que
quiserem). A idéia é de relevante
cunho social e benéfica, visto que,
de fato, em nossa sociedade, é melhor ser branco. Uma vez esbranquiçados, os negros ganharão
mais e competirão com os brancos em pé de igualdade. OK?
A Comissão da Saúde também
deu parecer favorável: "Homem e
mulher foram criados e nasceram
com sexos opostos para se completarem e procriarem. O homossexualismo, apesar de aceito pela
sociedade, é uma distorção da natureza do ser humano normal".
Que coisa estranha; eu sabia
que a sexualidade dos animais
não humanos era (mais ou menos) natural, já que a fertilidade
da fêmea produz os sinais que ativam o desejo do macho (o cio, por
exemplo). No caso da gente, não é
bem assim. Parece que desejamos
por amores, fantasias e inspirações repentinas, que são coisas
culturais, não naturais. Também,
se homens e mulheres são feitos
para "se completarem e procriarem", não entendo por que transam na cozinha, nos elevadores,
nos estacionamentos, nos clubes
de suingue, na zona, com cinta-liga, colares de couro ou cueca de
látex furada.
Agora, se você acha que a sexualidade humana é pervertida,
não hesite: promova leis para a
reorientação sexual de fetichistas,
masturbadores, exibicionistas,
freqüentadores de saunas e cinemas pornôs, sadomasoquistas, internautas de salas de sexo virtual
e leitores da revista "Private". Já
está na hora de fazer o necessário
para que todos os cidadãos desejem segundo a natureza.
Durante o século 20, houve governos que, apoiados numa idéia
do bem ou da natureza, quiseram
reorientar ideológica e sexualmente seus cidadãos. Mandaram
(alguns ainda mandam) milhões
para campos de reeducação. Console-se: no Rio, será possível apenas financiar a conversão sexual.
Sem campos.
Admito que o programa tem
um interesse: cria ótimas ocasiões
de captação de fundos públicos.
Paradoxo chulo, mas irresistível:
um projeto para converter homossexuais parece ter sido concebido para dar vontade de mamar.
Exemplo. Eu publico, numa revista conceituada, um artigo em
que conto como "converti" homossexuais com terapias intensivas de 12 meses. Logo, meus amigos pais de família cariocas declaram ao programa que eles são
atormentados por tórridas fantasias homossexuais e, à noite, erram pelo aterro do Flamengo,
procurando prazeres culpados,
enquanto as mulheres dormem.
Eles pedem para se curar comigo.
O governo do Rio me manda o dinheiro, e a gente divide o lucro.
Tratando-se de heterossexuais, os
tratamentos serão um sucesso.
Os amigos homossexuais também poderão se tratar comigo no
mesmo esquema. Só peço que, no
fim, eles se declarem curados, para não estragar a reputação do
negócio.
No caso de uma igreja, é mais
fácil. Não é preciso escrever nenhum texto "científico". Basta a
autoridade da Bíblia. Não faltarão os fiéis para entrar no programa: "Você se molhou sonhando
com uma pessoa do mesmo sexo?
Cure-se desse demônio". E o dinheiro do governo não será dividido, ficará integralmente com a
igreja. Felicitações.
1) Existem sujeitos que vivem
sua homossexualidade de maneira dolorosa e conflitiva. Não concordam com seu próprio desejo,
por mil razões (inibições, repressão, princípios morais). Qualquer
"psi" sabe como é fácil produzir
catástrofes subjetivas se, nesses
conflitos, a gente não deixa o paciente elaborar livremente sua solução.
2) O governo carioca deveria
oferecer tratamento de conversão
também aos estrangeiros que, hoje, fazem do Rio de Janeiro uma
rentável meca do turismo homossexual. Sugiro que o próprio deputado Fonseca distribua os panfletos do programa, em várias línguas, na Farme de Amoedo, durante o Carnaval.
3) Os pais têm razão de se preocupar ao descobrir que um filho
ou uma filha são homossexuais.
Afinal, esses jovens têm de enfrentar um mundo em que são propostas leis como a que está para
ser votada no Estado do Rio.
ccalligari@uol.com.br
Texto Anterior: Festival do Rio: Filme ressuscita voz de Klaus Nomi Próximo Texto: Teatro: SP confere peças "experimentais" do Rio Índice
|