São Paulo, sexta-feira, 07 de outubro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mestres das HQs, Dave McKean e Neil Gaiman experimentam o cinema com a fábula "MirrorMask'; leia entrevista exclusiva com o ilustrador britânico

Caçadores de SONHOS

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

O traço etéreo, com toques surrealistas e góticos, do ilustrador britânico Dave McKean, 41, deu vida a uma série de obras que está na lista de favoritos de qualquer fã de quadrinhos adultos, como "Orquídea Negra", "Asilo Arkham" e "Sandman" -histórias premiadas e aclamadas pela crítica. Na visão do próprio artista, no entanto, essas obras são "incompletas", "não funcionaram" e são "coisas do passado".
A autocrítica apurada também é aplicada a "MirrorMask", seu primeiro longa como diretor, que estreou nos EUA no mês passado e ainda não tem previsão para chegar ao Brasil. A história criada por McKean e seu parceiro mais constante, o escritor Neil Gaiman (assinam juntos o roteiro), é uma fábula que narra as aventuras da adolescente Helena, vinda de uma família circense, em um mundo de sonhos e personagens fantásticos. Em entrevista à Folha, McKean falou sobre o filme, sobre sua carreira e sobre sua relação com a crítica e com os fãs.

 

Folha - Como surgiu o projeto de "Mirrormask"?
Dave McKean -
Começou com Lisa Henson [produtora do filme, filha de Jim Henson e diretora da companhia que leva o nome de seu pai], que queria fazer outro filme na linha de "O Cristal Encantado" (1982) e "Labirinto" (1986). Ela conhecia Neil e tinha visto meus curtas, que eu fiz praticamente sem orçamento. Nós três começamos a conversar sobre como fazê-lo, Lisa estava interessada em um filme de fantasia para a família. Era o que Neil e eu sempre quisemos fazer, tudo pareceu se encaixar.

Folha - E você está satisfeito com o resultado?
McKean -
É muito difícil responder a isso, porque o filme se estendeu por muito tempo e eu me envolvi em cada etapa, então, bem antes de acabar, eu estava realmente cansado dele. Ele tem algumas coisas boas e pouco comuns, acho que fizemos o orçamento render, a atriz principal [a jovem Stephanie Leonidas] está maravilhosa. Acho que, só de ter conseguido completar um filme muito difícil, estou em uma posição melhor para tentar de novo. Quanto à reação do público, está fora do meu controle agora, não há o que fazer, não adianta pensar nisso.

Folha - A relação de um diretor com seu público é comparável à de um autor com seus leitores?
McKean -
Acho que são duas coisas bem diferentes. O mais próximo que chego de meus leitores é quando estou autografando livros em alguma feira. As pessoas estão passando, pegam um livro em exposição e compram ou não, dependendo do quão interessante acham que ele é. Não é uma análise sobre seu trabalho, porque elas só vão ler depois. Assistir a um filme junto da platéia é como participar de um júri, você é julgado a cada momento, pela reação do público. É massacrante.

Folha - E a relação com os críticos?
McKean -
O mundo da literatura é muito gentil -se você está lançando um livro, a menos que seja um desses "blockbusters", geralmente os críticos que escrevem sobre ele são pessoas que se interessaram, leram e decidiram comentar, então você geralmente recebe críticas positivas. Mas a crítica de cinema é completamente diferente: todo lançamento precisa ser visto e criticado, então os críticos muitas vezes acabam vendo filmes que não os interessam e suas críticas refletem isso.

Folha - Há semelhança entre criar imagens no papel e na tela?
McKean -
Sim, alguns aspectos são idênticos. Trabalho com imagens, idéias e coisas de que gosto. "Mirrormask" tem muita coisa que já estava em "Cages", como as cidades abandonadas, a relação entre as pessoas, máscaras, chaves. Mas há também diferenças: trabalho sozinho para criar um livro, não preciso me justificar todo dia e, acima de tudo, posso fazer isso sozinho. Em um filme, há muita gente e muito dinheiro envolvido, então eu dependo de mais pessoas, sou um empregado.

Folha - Vai haver um filme de Sandman?
McKean -
Não sei. Sei que já houve duas ou três tentativas de iniciar esse projeto e sei que, atualmente, não há ninguém trabalhando nisso. Acho que Neil prefere que não seja feito um filme de Sandman, a menos que um diretor do tipo Peter Jackson, que fosse realmente apaixonado pela história e extremamente talentoso, decidisse fazer outra trilogia de US$ 1 bilhão [como "O Senhor dos Anéis"], aí então valeria a pena. Não tenho uma opinião sobre isso. Para mim Sandman é algo que acabou há oito anos.

Folha - Você não se acha excessivamente autocrítico?
McKean -
Acho que é preciso ser honesto consigo mesmo sobre seu trabalho. Não sou um perfeccionista ridículo que vive completamente infeliz com tudo o que realiza, fiz algumas coisas que acho realmente boas, que atingiram seu objetivo, como "Cages". Se as pessoas lêem "Orquídea Negra" e gostam, ótimo, porque houve muito trabalho e raciocínio ali. Mas o fato dos leitores gostarem não tem nada a ver com o que eu sinto sobre o trabalho -no caso, acho que não exploramos totalmente as possibilidades dos quadrinhos ali. Pessoalmente, não me imagino fazendo quadrinhos "mainstream" de novo, para editoras como a DC. Acho que histórias de super-heróis como "Asilo Arkham" são basicamente infantis, então, se for para fazer algo assim, prefiro criar histórias para crianças mesmo, como fizemos em "Coraline" ou "The Wolves Behind the Walls".


Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.