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MANUEL DA COSTA PINTO
Hospitalidade e testemunho
Novo volume de ensaios de Jeanne Marie Gagnebin
remete ao célebre "Lembrar, Repetir, Elaborar", de Freud
"LEMBRAR ESCREVER Esquecer." Essas três palavras
dão título ao novo volume
de ensaios de Jeanne Marie Gagnebin e remetem ao célebre "Lembrar,
Repetir, Elaborar", de Sigmund
Freud. Um texto que, segundo a autora, habita como um "palimpsesto"
o ensaio "O que Significa a Elaboração do Passado?", no qual Theodor
Adorno trata da necessidade de resistir à "destruição da lembrança"
-um dos temas que percorrem o livro recém-lançado.
Nascida na Suíça e radicada no
Brasil, professora de filosofia e teoria literária, Gagnebin desempenha
papel fundamental na recepção de
Walter Benjamin e da Escola de
Frankfurt. Em "Lembrar Escrever
Esquecer", Benjamin e Adorno são
onipresentes, porém como personagens de uma trama maior: as relações entre história, literatura e ética
da representação.
De certa forma, Jeanne Marie
Gagnebin amplia para a totalidade
dos fenômenos culturais a idéia
benjaminiana de, ao analisar uma
obra literária, "tornar evidente, no
tempo que as viu nascer, o tempo
que as conhece e julga, ou seja, o
nosso". Os acontecimentos não sucumbem, assim, à intoxicação proporcionada por uma historiografia
cumulativa, que cataloga fatos e festeja datas solenes, deslizando "perigosamente para o religioso ou, então, para as celebrações de Estado,
com paradas e bandeiras".
A menção dos vínculos entre mitologia religiosa e irracionalismo político são a cifra do problema que
percorre os ensaios, deflagrando seu
movimento de "rememoração" (que
não se confunde com "comemoração"). A leitura do passado na perspectiva das catástrofes contemporâneas torna-se seu fio condutor -e o
leitor terá uma visão clara das reflexões de Adorno sobre a Shoah (o
Holocausto nazista) e a impossibilidade da poesia depois de Auschwitz.
Alguns aspectos devem ser destacados: sem negar a singularidade daquele genocídio, Gagnebin afirma
que a atualidade do imperativo categórico adorniano ("que Auschwitz
não se repita") se desloca agora para
contextos não-judaicos, "tão cruéis
quanto, ainda que diferentes". Além
disso, seu trabalho de exegese flagra
contradições e se contrapõe à letra
dos autores que estuda.
Nesse sentido, o ensaio de abertura é uma belíssima releitura da
"Odisséia" que, na contramão da
"Dialética do Esclarecimento" de
Adorno e Horkheimer (que viam na
obra de Homero uma expressão da
continuidade entre o terror mítico e
o terrorismo da razão), propõe uma
visão mais luminosa, marcada pela
noção de "hospitalidade", de reconhecimento do outro, que terá papel
decisivo na redefinição da "literatura de testemunho".
Pois se Ulisses retribui o abrigo
em casa estrangeira contando histórias, num tempo de catástrofes, como o nosso, a hospitalidade consiste
em acolher o relato estarrecedor do
horror que não vivemos. "Testemunha também seria aquele que não
vai embora, que consegue ouvir a
narração insuportável do outro."
LEMBRAR ESCREVER ESQUECER
Autor: Jeanne Marie Gagnebin
Editora: 34
Quanto: R$ 34 (224 págs.)
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