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Crítica/coletânea
Crônicas de Clarice observam com ironia o universo feminino
NÁDIA BATTELLA GOTLIB
ESPECIAL PARA A FOLHA
Clarice Lispector, conhecida por seus romances, contos, crônicas, ou, segundo palavras da
própria escritora, "impressões
leves" e "pulsações", também
se dedicou à atividade jornalística. Trabalhou como repórter,
tradutora, entrevistadora e colunista em diferentes jornais e
revistas do Rio de Janeiro, desde sua primeira colaboração na
imprensa comercial, em 1940,
com 19 anos, quando era ainda
estudante da Faculdade de Direito, até sua última publicação, em outubro de 1977, dois
meses antes de morrer.
Como colunista de páginas
femininas, escreveu para três
jornais cariocas cerca de 450
páginas. Em dois deles, assinou
com pseudônimos: Tereza
Quadros e Helen Palmer. E
num terceiro, como "ghost writer" de Ilka Soares.
Clarice tornou-se Tereza
Quadros no jornal "Comício",
após convite que lhe foi feito
por um dos diretores do jornal,
o amigo Rubem Braga, em
1952. Nessa época, a escritora
estava de volta da Inglaterra
para o Brasil, e o marido diplomata, Maury Gurgel Valente,
aguardava partida para os Estados Unidos, onde iriam morar
durante quase sete anos.
Em 1959, tornou-se Helen
Palmer no "Correio da Manhã",
quando, já separada do marido
e recém-chegada dos Estados
Unidos com os dois filhos, precisava completar a renda familiar. E, finalmente, assinou páginas femininas como "ghost
writer" de Ilka Soares a partir
de 1960, no "Diário da Noite", a
convite de Alberto Dines que,
para dinamizar as vendas do
jornal, contratou a modelo profissional e atriz Ilka Soares, conhecidíssima do público, que
por esse motivo aparecia como
autora da matéria que era, na
verdade, escrita por Clarice.
Páginas femininas
Pois é parte dessa produção
jornalística de Clarice destinada ao público feminino que nos
chega agora através de duas
oportunas publicações, que se
complementam. O "Correio
Feminino" reúne textos publicados nos três referidos jornais,
em seleção feita por Aparecida
Maria Nunes.
E "Clarice Lispector Jornalista" se detém nessa produção
que a autora, Aparecida Maria
Nunes, acompanha: esboça a
trajetória da escritora ao longo
de 37 anos na imprensa carioca,
com informações úteis sobre a
história dos periódicos em que
a escritora atuou e faz leitura
crítica das páginas femininas,
atenta às relações entre tais
textos e os demais que integram os volumes de ficção da
escritora.
É bem verdade que as páginas femininas não têm a densidade da ficção de Clarice. Simplesmente atendem às exigências do gênero -tratar de assuntos "entre mulheres" (título
da coluna no "Comício"), em
tom de conversa e tocando em
assuntos ligados a "casa, beleza
e coração".
Não faltam conselhos de como se tornar mais atraente para o marido e como conseguir
se vestir com elegância, escolhendo o que melhor convém
para o corpo que se tem.
No entanto, as páginas femininas têm seu encanto principalmente quando, para além da
"feira de utilidades" (subtítulo
da coluna no "Correio da Manhã"), a colunista questiona o
próprio gênero que cultiva, ao
criticar, por exemplo, certos
padrões: a "beleza por catálogo" ou a magreza de "cabides
humanos". E ao se servir de recursos de teor ficcional, como a
fina e sutil ironia, que se alia a
imagens criativas e inusitadas.
Responsáveis pela "marca Clarice", tais recursos asseguram o
caráter diferenciado desse prato jornalístico, que aguça o apetite do leitor -e das leitoras.
Vale a pena provar.
NÁDIA BATTELLA GOTLIB é professora
livre-docente aposentada de Literatura Brasileira na USP e autora de "Clarice, Uma Vida que se Conta" (Ática) e "Clarice Lispector: Fotobiografia" (Edusp)
CORREIO FEMININO
Autor: Clarice Lispector
Editora: Rocco
Quanto: R$ 42,50 (160 págs.)
CLARICE LISPECTOR JORNALISTA
Autor: Aparecida Maria Nunes
Editora: Senac SP
Quanto: R$ 45 (292 págs.)
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