São Paulo, sábado, 07 de outubro de 2006

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Crítica/Arte

Waltércio Caldas ilumina o mistério do desconhecido

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

E se o "possível" não fosse algo que ainda não é, mas sim o próprio ser?
E se o "ainda" não fosse o inconcluso, mas fosse o estado mesmo das coisas? O livro de Waltércio Caldas, "Notas, ( ) etc.", mostra esse lugar, "entre as nuvens e as dízimas periódicas", um lugar cujo nome está no "espaço entre as coisas".
A começar pelo nome do livro -nome, e não título, porque o nome também parece emanar das próprias coisas, enquanto o título é exclusivamente externo- "Notas": pistas, sinais; "( )": intercalação, intervalo, a importância do que não é tão importante; "etc.": o restante, o além. Três marcas intervalares, não essenciais, transformadas em protagonistas. É como dar voz ao vazio, ao silêncio, ao intervalo. Não fazer barulho para não interromper ou para não acordar o sono das coisas.
Por isso, pode-se dizer que há um idealismo na materialidade dos objetos, dos desenhos e das frases de Waltércio. Um desejo de encontrar uma verdade na existência dos objetos e em seus nomes; de encontrar a coincidência perfeita entre eles, como se aquele nome daquela coisa fosse sempre necessário e não arbitrário. Um espaço onde as coisas são como idéias delas mesmas e uma tentativa de transformar o visível em invisível e o invisível em visível.
Essa busca de uma verdade nem por isso se traduz em certezas; ao contrário, ela solicita a dúvida para poder se realizar plenamente: "Há uma dúvida que pertence à clareza"; "(ver, inacabando...)". O gerúndio, os parênteses, as reticências, a brevidade das frases no espaço branco da página, tudo aponta para aproximações por hipótese, por tentativa e não por tiros certeiros. O que tampouco ameaça a sensação permanente de pureza que os trabalhos e as frases de Waltércio suscitam; é exatamente o oposto. Trata-se de uma clareza que comporta, ou melhor, que se constrói em razão da dúvida, do vir-a-ser. As coisas, em seu estado puro, estão sempre vindo-a-ser.
A dúvida, a perplexidade -"Algumas respostas sentem uma falta imensa de perguntas"- são também co-responsáveis pelo humor das frases e dos trabalhos do artista. Por mais que se apresente o silêncio das coisas, é um silêncio sem gravidade, justamente por tratar-se de um silêncio intervalar e parentético e não um silêncio definitivo.
É daí que vêm imagens como: "Uma visão clássica da eternidade: o infinito de pijamas". É isso mesmo; o infinito, assim como a eternidade, deve entediar-se por ser tão pleno. É melhor a instabilidade da dúvida, "que avança quando aperfeiçoa a suspeita que a alimenta".
O artista deve trabalhar com perguntas, tanto as próprias como as do espectador/leitor. É o leitor cheio de suspeitas que compõe, com seu olhar, o espaço do objeto que, de estritamente objetivo, ganha assim a subjetividade de quem olha.
Basta ver a quantidade de referências das frases do livro ao espectador, tão importante para a obra quanto o próprio objeto. "Respirar com olhos; ver é onde; o olhar retifica o horizonte; observar o movimento das coisas paradas." "Notas, ( ) etc.", como uma frase do livro sugere, "melhora a qualidade do desconhecido". E nós, que olhamos, recebemos, com esse livro, um holofote para enxergar melhor o tamanho do mistério.


Notas, ( ) etc     
Autor: Waltércio Caldas
Edição: Gabinete de Arte Raquel Arnaud (tel. 0/xx/11 3083-6322)
Quanto: R$ 180 (154 págs.)


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