|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Carinhoso", 90, é clássico acidental
Pixinguinha escondeu o choro por uma década, Braguinha fez a letra correndo, e Orlando Silva gravou sem se empolgar
Registro do cantor, há 70 anos, deu a partida na consagração da música, que poderia ter ficado inédita por ser ousada demais
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Gravada mais de 200 vezes,
presença obrigatória em qualquer lista das melhores músicas brasileiras, "Carinhoso"
despontou para o sucesso eterno logo que foi criada, certo?
Errado. Esse choro, composto
por Pixinguinha (1897-1973) há
90 anos e que teve seu primeiro
registro com letra há 70, é um
clássico acidental. Teve tudo
para não virar o que virou.
A comédia (vista à distância)
de erros começou em 1917,
quando nasceu a melodia. Com
apenas 20 anos, Pixinguinha
não teve coragem de tornar público um choro de duas partes,
pois o padrão da época eram
três. "Eu não tocava. Ninguém
ia aceitar", disse, em 1968, em
depoimento ao Museu da Imagem e do Som do Rio.
"Não foi uma busca consciente de renovar o choro. Naquele momento, [a música] não
era nada de especial para ele",
conta Sérgio Cabral, autor de
"Pixinguinha - Vida e Obra".
"Carinhoso" passou 11 anos
inédita. Foi gravada em 1928,
pela Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, no lado B de um 78
rotações que destacava "Não
Diga Não", de Peri.
"A Pixinguinha-Donga era
uma orquestra de estúdio, com
repertório pequeno. É possível
que ele tenha escolhido "Carinhoso" só para preencher o outro lado. Na época, as orquestras gravavam músicas para serem dançadas, não ouvidas",
diz o pesquisador Jairo Severiano. "Carinhoso" está mais
para o segundo time.
O cavaquinista e historiador
de choro Henrique Cazes relativiza o acaso. Ele lembra que
são da mesma época "Lamentos" e "Desprezado", outros
"choros revolucionários". Paralelamente, Pixinguinha também buscava uma música marcadamente afro-brasileira, como em "Samba de Nego".
"Acho que ele não se sentia
pronto em 1917. Depois do
workshop de orquestração que
fez em anos de teatro de revista,
resolveu usar suas ferramentas
em processos revolucionários.
Apesar de ser tremendamente
popular, "Carinhoso" é uma das
músicas mais complicadas que
existem, em especial por causa
das modulações na segunda
parte", afirma Cazes.
Sucesso entre músicos
Cazes ainda lembra que a ousadia de "Carinhoso" foi logo
percebida por "músicos sagazes". O primeiro arranjo que
Radamés Gnattali fez, como
exercício, foi para "Carinhoso",
em 1929. "Ficou uma merda",
recordava, com a classe habitual, o maestro, que oito anos
depois orquestraria a primeira
gravação da música com letra.
Pixinguinha fez uma nova
versão em 1929, com a Orquestra Victor Brasileira, e o bandolinista Luperce Miranda fez a
sua em 1934 -em ambas o título foi grafado "Carinhos", outro
tropeço. Mas só os músicos conheciam o tema.
Em outubro de 1936, Braguinha (João de Barro) foi instado
pela atriz e cantora Heloísa Helena a escrever uma letra para o
choro, pois ela participaria naquele mês do espetáculo beneficente "Parada das Maravilhas". Braguinha, segundo contava, foi conversar com Pixinguinha no Dancing Eldorado,
na praça Tiradentes (centro do
Rio), ouviu a melodia e na mesma noite escreveu os versos.
Também para ele não era nada
de especial.
"Claro que não é uma letra
feia, mas não é uma obra-prima. Braguinha tem coisas melhores. Mas ele sempre foi bom
comerciante e sabia que valia
pôr letra num choro de Pixinguinha", diz Severiano, autor
da biografia "Yes, Nós Temos
Braguinha".
Não só ele. Pedro Caetano,
por encomenda de Orlando Silva, e Araci Cortes também letraram a música, mas Mr.
Evans, o todo-poderoso da Victor, preferiu a de Braguinha.
Ele chamou Francisco Alves e
Carlos Galhardo para interpretá-la, mas ambos desprezaram
a canção. Orlando, ainda um
cantor em ascensão, ficou com
a tarefa sem se empolgar e a
gravou em 28 de maio de 1937.
Sua prioridade era a valsa "Rosa", que Pixinguinha compusera também em 1917 e ganhara
letra de Otávio de Souza. Foi o
outro lado do disco.
"Mas é claro que ele percebeu a beleza da música, e a pôs
como prefixo de seu programa
na rádio Nacional, o que ajudou
muito na popularização de "Carinhoso". É o maior hino amoroso da música brasileira", resume Jonas Vieira, autor de
"Orlando Silva - O Cantor das
Multidões".
De acordo com o pesquisador
Silvio Julio Ribeiro, só em LP
existem 207 registros de "Carinhoso". Silvio Caldas, Ângela
Maria, Elis Regina, Maria Bethânia e Nana Caymmi estão
entre as intérpretes da música.
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Frases Índice
|