São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2008

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Natal da Arte

Regina Silveira faz mostra individual inspirada em pragas e desgraças na galeria Brito Cimino e abre calendário das artes, que culmina, no fim de outubro, com a abertura da 28ª Bienal de SP

Misturando artesanato e alta tecnologia para falar de pragas, violência e corrupção, artista abre mês das grandes mostras em tom pessimista

Alex Almeida/Folha Imagem
Montagem da mostra "Mundus Admirabilis', de Regina Silveira, na galeria Brito Cimino

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Com "Mundus Admirabilis e Outras Pragas", mostra individual de Regina Silveira na galeria Brito Cimino, começa hoje a maratona de aberturas de exposições paralelas à 28ª Bienal de São Paulo, programada para ser inaugurada no dia 25. Até lá, mais de 30 exposições, a grande maioria de arte contemporânea, tornam esse período uma espécie de Natal das artes plásticas, com festas, recepções, almoços e jantares para os "culturati", como Tom Wolfe apelidou o restrito público que toma parte desse tipo de circuito em capitais como Londres, Paris e Nova York. Nos próximos 20 dias, os "culturati" daqui terão a agenda cheia. Para a abertura desse calendário de festas, contudo, Silveira não traz uma visão otimista ou mesmo feliz. Tematiza em sua mostra maldições, desgraças de grandes proporções, calamidades e flagelos, ou seja, o universo das pragas. "É só observar o mundo hoje, viajar ou ler jornal, para pensarmos num ambiente envolto pela violência", diz a artista. "Mundus Admirabilis" reúne 11 obras de vários formatos, cada uma delas enfocando algum tipo de praga -como animais daninhos, chuvas de granizos ou de sapos. Tanto o título da mostra, como dos trabalhos estão em latim, de acordo com a artista, para ganhar um sentido mais generalizante. Segundo o crítico Adolfo Montejo Alves, a proposta das pragas de Silveira não está "no mero âmbito da fabulação nem tão fora de contextualização [...] as suas raízes analógicas são metafóricas, atravessam qualquer reduto histórico e se projetam no âmbito de nossos dias, tão flagelados por violência, deterioração ambiental, corrupção sistêmica, contaminação do cotidiano e congêneres". Assim, partindo de pragas lendárias, como o granizo, Silveira cria diálogos com o contemporâneo, como no caso de "Per Capita", obra disposta na primeira sala da exposição. Aqui, a chuva de granizo transforma-se em chuva de balas: quem encosta o ouvido em um tubo escuro que sai da parede, como se fosse um grande cano de revólver, ouve as balas, que poderiam ser registro de qualquer tiroteio nas periferias das grandes cidades brasileiras -mas que é, na verdade, apenas o som de um videogame.

Colaborações
Para a mostra, aliás, Silveira apropria-se de todo tipo tecnologia, do simples ao complexo -em "Rerum Natura", uma mesa com um jogo de jantar inteiro em louça está disposto numa toalha bordada na região cearense do Cariri, tendo insetos peçonhentos por tema, o que levou mais de um ano para ser realizado. Já em outra obra, "Infernus", um poço sobre o qual quem se debruça tem a impressão que gotas de sangue escorrem de seu corpo. Para conseguir tal resultado, Silveira trabalhou com um produtor colombiano, que cria efeitos especiais para filmes de Hollywood. "Eu sempre tive curiosidade pelos meios e em experimentar tecnologias. Como eu não sou uma especialista em todas essas coisas que uso na exposição, dependo da colaboração de outras pessoas", explica a artista. Dessa forma, Silveira contou com a ajuda de marceneiros, tapeceiros e azulejistas, entre outras, levando também esse universo das pragas para um cenário quase que exclusivamente doméstico: da sala de jantar, com "Rerum Natura", do banheiro -com as pias "Mea Culpa" e o mictório "In Memoriam", alusão duchampiana, até os azulejos de "Corruptio", nos quais se vê a chuva de rãs e sapos, um comentário sobre a praga atual da corrupção.

Processo de equilíbrio
As pragas apresentadas por Silveira, mesmo que abordando situações contemporâneas, como a violência e a corrupção, não são referentes a casos específicos. "Para mim, não ficar no factual sempre foi uma estratégia para não escorregar, pois o discurso poético deve entrar sem demitir a linguagem. A arte sempre falhou quando se misturou demais com a vida", diz Silveira. Outra estratégia da artista é que cada trabalho, mesmo sendo um pedaço independente da mostra, mantenha uma poética que reverbere em todos os demais trabalhos. "Todo o discurso da exposição, por exemplo, está contido no trabalho das louças, que fala sobre como o cotidiano pode estar deteriorado", afirma. De certa forma, alguns dos elementos presentes na exposição já fazem parte da poética de Regina Silveira há muito tempo, seja na sua forma de apresentação, como sombras, seja na própria imagem, como as moscas. Entretanto, ao reuni-los sob uma nova ótica, eles se renovam e seguem apontando essa artista como uma das mais potentes criadoras da cena contemporânea.

REGINA SILVEIRA
Quando: abertura hoje, às 19h; ter. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 17h; até 29/11
Onde: galeria Brito Cimino (r. Gomes de Carvalho, 842, tel. 0/xx/ 11/3842-0634); livre)
Quanto: entrada franca



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