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Obra expõe face amarga do criador de Snoopy
Biografia lançada nos EUA retrata Charles Schulz amargo e sarcástico
David Michaelis pesquisou a vida do cartunista, morto em 2000, por seis anos, para contar casos reais que foram transpostos para as tirinhas
RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL
Do telhado de sua casinha, no
início dos anos 70, Snoopy batucava na máquina de escrever:
"Docinho, sentiu minha falta?".
As cartas de amor eram o começo da prolífica fase do beagle
como escritor nas tiras da série
"Peanuts". Eram também declarações do cartunista americano Charles Schulz (1922-2000) para uma moça por
quem se apaixonara antes de se
separar da primeira mulher.
A transposição do romance
de Schulz para os desenhos foi
apenas uma das descobertas
que o escritor norte-americano
David Michaelis, 50, fez após
seis anos mergulhado na vida e
na obra do criador de Snoopy e
Charlie Brown. Ela está em
meio às 650 páginas da biografia "Schulz and Peanuts: A Biography", lançada mês passado
nos EUA e sem previsão de lançamento no Brasil.
O cartunista, que completaria 85 anos no próximo dia 26,
tinha o costume de reproduzir
situações exatas de sua vida nos
desenhos. "Ele nunca escondeu
que havia muito de si nas histórias, mas é surpreendente a
quantidade de recados que deixou nas tiras", diz o autor à Folha, por telefone, de Nova York.
Michaelis entrevistou mais
de 200 parentes e amigos e se
debruçou nas 17.897 tiras criadas pelo artista ao longo de 50
anos, hoje nos arquivos da United Media, que detém os direitos de "Peanuts".
O Schulz que resultou dessa
pesquisa é amargo e sarcástico,
capaz de guardar rancores por
décadas. Michaelis constatou
casos já conhecidos, como o de
que Donna Johnson, uma ex-colega que rejeitou um pedido
de casamento de Schulz, inspirou a Garotinha Ruiva, o amor
não-correspondido de Charlie.
Mas descobriu, também, outras motivações. Lucy, sempre
mandona e egoísta, dividia com
Charlie Brown muito do que o
cartunista vivia em casa com
sua primeira mulher, Joyce. O
casamento dava o tom da relação de Lucy com Schroeder
-ela, sempre pedindo atenção;
ele, envolvido com sua arte.
Tais conclusões causaram
mal-estar na família de Schulz,
que ajudara Michaelis desde o
primeiro contato, em 2000,
três meses após a morte do cartunista. Ao responder ao e-mail
do escritor, a viúva, Jean Clyde,
contou que uma das últimas
leituras de Schulz fora a biografia do ilustrador N.C. Wyeth
-de autoria de Michaelis. "Era
o voto de confiança de que precisava", avalia.
Distanciamento
Jean garantiu acesso a cartas
e documentos. Mas, quando o
livro ficou pronto, ela e outros
parentes renegaram a imagem
que encontraram. Schulz, argumentaram, era alegre e divertido. "Dei a eles a chance de fazer
correções, mas o fato é que a família não tem distanciamento
para julgar a vida de alguém
que ama", diz Michaelis.
Filho de um barbeiro alemão
e de uma dona-de-casa de família norueguesa, Schulz levou
para as tiras o cenário de distanciamento no qual foi criado.
Em "Peanuts", a indiferença,
mais do que a rejeição, é a resposta mais comum ao amor.
Nada que, segundo Michaelis, não pudesse ser reconhecido na atitude de Dena, mãe de
Schulz, a quem a biografia descreve como uma pessoa "distante, evasiva". Dena morreu
com câncer um dia antes de
Schulz, convocado para a Segunda Guerra, partir para o
quartel. Sua última -e traumática- frase para o filho, "Nós
provavelmente nunca mais vamos nos ver", seria reproduzida
num diálogo em que Marcie e
Patty Pimentinha falam sobre
Charlie Brown.
SCHULZ AND PEANUTS: A BIOGRAPHY
Autor: David Michaelis
Editora: HarperCollins (importado)
Quanto: US$ 21 (cerca de R$ 37), mais taxas, em www.amazon.com; 655 págs.
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