São Paulo, quarta-feira, 07 de novembro de 2007

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Obra expõe face amarga do criador de Snoopy

Biografia lançada nos EUA retrata Charles Schulz amargo e sarcástico

David Michaelis pesquisou a vida do cartunista, morto em 2000, por seis anos, para contar casos reais que foram transpostos para as tirinhas

RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

Do telhado de sua casinha, no início dos anos 70, Snoopy batucava na máquina de escrever: "Docinho, sentiu minha falta?".
As cartas de amor eram o começo da prolífica fase do beagle como escritor nas tiras da série "Peanuts". Eram também declarações do cartunista americano Charles Schulz (1922-2000) para uma moça por quem se apaixonara antes de se separar da primeira mulher.
A transposição do romance de Schulz para os desenhos foi apenas uma das descobertas que o escritor norte-americano David Michaelis, 50, fez após seis anos mergulhado na vida e na obra do criador de Snoopy e Charlie Brown. Ela está em meio às 650 páginas da biografia "Schulz and Peanuts: A Biography", lançada mês passado nos EUA e sem previsão de lançamento no Brasil.
O cartunista, que completaria 85 anos no próximo dia 26, tinha o costume de reproduzir situações exatas de sua vida nos desenhos. "Ele nunca escondeu que havia muito de si nas histórias, mas é surpreendente a quantidade de recados que deixou nas tiras", diz o autor à Folha, por telefone, de Nova York.
Michaelis entrevistou mais de 200 parentes e amigos e se debruçou nas 17.897 tiras criadas pelo artista ao longo de 50 anos, hoje nos arquivos da United Media, que detém os direitos de "Peanuts".
O Schulz que resultou dessa pesquisa é amargo e sarcástico, capaz de guardar rancores por décadas. Michaelis constatou casos já conhecidos, como o de que Donna Johnson, uma ex-colega que rejeitou um pedido de casamento de Schulz, inspirou a Garotinha Ruiva, o amor não-correspondido de Charlie.
Mas descobriu, também, outras motivações. Lucy, sempre mandona e egoísta, dividia com Charlie Brown muito do que o cartunista vivia em casa com sua primeira mulher, Joyce. O casamento dava o tom da relação de Lucy com Schroeder -ela, sempre pedindo atenção; ele, envolvido com sua arte.
Tais conclusões causaram mal-estar na família de Schulz, que ajudara Michaelis desde o primeiro contato, em 2000, três meses após a morte do cartunista. Ao responder ao e-mail do escritor, a viúva, Jean Clyde, contou que uma das últimas leituras de Schulz fora a biografia do ilustrador N.C. Wyeth -de autoria de Michaelis. "Era o voto de confiança de que precisava", avalia.

Distanciamento
Jean garantiu acesso a cartas e documentos. Mas, quando o livro ficou pronto, ela e outros parentes renegaram a imagem que encontraram. Schulz, argumentaram, era alegre e divertido. "Dei a eles a chance de fazer correções, mas o fato é que a família não tem distanciamento para julgar a vida de alguém que ama", diz Michaelis.
Filho de um barbeiro alemão e de uma dona-de-casa de família norueguesa, Schulz levou para as tiras o cenário de distanciamento no qual foi criado.
Em "Peanuts", a indiferença, mais do que a rejeição, é a resposta mais comum ao amor.
Nada que, segundo Michaelis, não pudesse ser reconhecido na atitude de Dena, mãe de Schulz, a quem a biografia descreve como uma pessoa "distante, evasiva". Dena morreu com câncer um dia antes de Schulz, convocado para a Segunda Guerra, partir para o quartel. Sua última -e traumática- frase para o filho, "Nós provavelmente nunca mais vamos nos ver", seria reproduzida num diálogo em que Marcie e Patty Pimentinha falam sobre Charlie Brown.


SCHULZ AND PEANUTS: A BIOGRAPHY
Autor:
David Michaelis
Editora: HarperCollins (importado)
Quanto: US$ 21 (cerca de R$ 37), mais taxas, em www.amazon.com; 655 págs.


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